CRÍTICA | Babenco - Alguém Tem Que Ouvir o Coração e Dizer: Parou

Direção: Bárbara Paz
Roteiro: Bárbara Paz e Maria Camargo
Elenco: Hector Babenco, Bárbara Paz, Willem Dafoe, Selton Mello, Fernanda Montenegro, entre outros
Origem: Brasil
Ano: 2019


Babenco - Alguém Tem Que Ouvir o Coração e Dizer: Parou (2020) é um filme sobre saudade. Uma história sobre os registros finais de uma mente aguçada e criativa que, tendo noção da decadência próxima, não quer perder tempo. É o retrato de um homem que não sabia o que vinha primeiro, "filmar ou estar vivo", e que levou essa necessidade de fazer cinema até o último suspiro. Mas não se engane, Bárbara Paz (Conversa Com Ele) não retrata em tela um ambiente de nostalgia em que se revive tudo aquilo que já foi e nunca mais voltará. Pelo contrário, ela dirige o documentário como uma carta de despedida, dele, mas escrita pelas mãos dela.

Desde o início, a sensação que temos é que assistimos a um filme-ensaio, com direção de Paz, mas com o argumento de Hector Babenco (Carandiru). Ela assina o longa, porém a ideia de registrar esse momento vem dele que, inclusive, afirma mais de uma vez que decidiu “contar essa história para poder esquecer”. Menos que exaltação à obra do grande cineasta argentino - naturalizado brasileiro - o documentário é uma exposição do homem e sua paixão pela sétima arte.

As lentes de Paz e suas escolhas de enquadramento e ritmo, revelam um olhar carinhoso e atento para com o companheiro, sem deixar de lado sua reverência pelo artista. Mesclando vídeos caseiros, registros históricos do cineasta e cenas de filmes famosos dele, a diretora é bem-sucedida ao conduzir seu primeiro longa-metragem, nos entregando um resultado final lírico e suave, embora o tema seja triste e angustiante: a morte iminente do amado.

Em Babenco não há definições claras sobre os dias e lugares dos registros, assim como não existem legendas que evidenciam os filmes do cineasta, os quais ela intercala com registros íntimos dele com a família e amigos. Mas esse vai e vem entre realidade e ficção, ou entre passado e presente, é uma estratégia adequada de roteiro, pois nos permite vivenciar as memórias de Babenco e experimentar sua confusão temporal e de realidade, uma decorrência do avanço da doença e das medicações para amenizar a dor. 

Primeiro Plano

Ao contrário do que pode parecer, o documentário não tem um tom mórbido ou triste. Quando resolve documentar o final da vida de Babenco, Paz o faz em forma de celebração da vida do homem que criou tantas obras-primas, como Pixote: A Lei do Mais Fraco (1981) e O Beijo da Mulher-Aranha (1985). Ela nos revela o argentino que assumiu o Brasil como pátria, porque entendia que nossas incongruências sociais eram mais instigantes para a sua arte. Vemos, pelo olhar dela, o anarquista, que encontrou no cinema a possibilidade de viver como queria e fez disso sua bandeira de liberdade.

Bárbara Paz deixa registrado o modo de Hector Babenco dirigir quando inclui cenas dos bastidores de Meu Amigo Hindu (2015) - seu último filme, com Willem Dafoe (O Farol) -, por exemplo, ou da bronca que o mesmo dá no elenco extra de Carandiru (2003), quando os atores conversam alto enquanto ele dirigia uma delicada sequência. Além disso, ela mantém cenas dele ensinando a estreante diretora a como enquadrar o sujeito, ou dando palpites sobre a forma dela conduzir o roteiro. Tudo isso para nos revelar o diretor de cinema de uma forma muito mais interessante do que através de depoimentos.

Mas como o objetivo de Paz é revelar o homem Babenco, sentimos falta de ver aqui algo mais aprofundado sobre a relação do casal ou mesmo dele com os filhos e as companheiras anteriores. Embora isso não crie uma lacuna alarmante na trama, acaba soando um pouco impessoal, porque se a ideia é celebrar e reviver os momentos mais preciosos de uma vida, o natural seria dedicar espaço aos que ele, provavelmente, mais amava.

Babenco - Alguém Tem Que Ouvir o Coração e Dizer: Parou foi selecionado para representar o Brasil na corrida pelo Oscar 2021. Uma escolha aparentemente calculada, dado os nomes de peso envolvidos no projeto, tanto do biografado quanto dos produtores executivos (Dafoe e Petra Costa), mas não só por isso. Em tempos de pandemia, o filme de Bárbara Paz é um retrato sobre a saudade e esperança no futuro, mesmo que o presente ofereça apenas dor e luto. 

Ótimo


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