CRÍTICA | Django Livre

Direção: Quentin Tarantino
Roteiro: Quentin Tarantino
Elenco: Jamie Foxx, Christoph Waltz, Leonardo DiCaprio, Samuel L. Jackson, Kerry Washington, entre outros
Origem: EUA
Ano: 2012


Era uma vez, em algum lugar do Texas, no velho oeste americano pré-guerra civil. Django (Jamie Foxx) é um escravo negro que acaba liberto por um caçador de recompensas, Dr. King Schultz (Christoph Waltz), um ex-dentista. A condição é que o ex-escravo o ajude a capturar os três irmãos Brittle, alvos de grande recompensa. No entanto, nasce uma amizade inesperada entre a dupla, e Schultz promete ajudar Django a recuperar sua esposa Broomhilda (Kerry Washington), também escrava, das mãos do sádico e poderoso fazendeiro Monsieur Calvin Candie (Leonardo DiCaprio).

A sinopse de Django Livre (Django Unchained) já mostra a que veio o filme, e como é de costume com as obras de Quentin Tarantino (Cães de Aluguel), o espectador já vai ao cinema preparado para assistir um longa-metragem de alto nível. A expectativa é justificável, afinal, o diretor criou um legado inabalável ao longo dos anos, e parece não errar nunca (embora alguns não gostem de seu grindhouse, À Prova de Morte). Olhando por esse prisma, acredito que a herança de Tarantino continua intocável. Assim como sua filmografia, sua obra é grandiosa, muito acima da média, ainda que seja possível notar alguns excessos que, se fossem deixados de lado, possibilitariam que o filme hoje estivesse ao lado de Bastardos Inglórios (2009)  e Pulp Fiction (1994).

Foto: Sony Pictures

Devo dizer que o grande destaque da obra (com exceção de seu roteiro, indicado merecidamente ao Oscar) é seu elenco, todos estão muito bem. Jamie Foxx (Ray) encarna um tipo aborrecido, de poucas palavras, bem ao estilo de Clint Eastwood nos westerns spaghetti, o que certamente não é mera coincidência. Por outro lado, o tom bem-humorado não é esquecido, e nisso o ator se sai muito bem, desde a escolha de seu sobrenome depois de liberto (Django Freeman) até as piadas com seu figurino. E é impossível não vibrar com o personagem quando o mesmo chicoteia sem dó um repulsivo tratador de escravos, ou quanto atira em outro - “I like the way you die, boy!”. No mesmo tom humorado está o soberbo Christoph Waltz (Deus da Carnificina). Seu Dr. Schultz é um anti-herói a se admirar, sua lábia e jeito calmo de pronunciar as palavras são suas marcas registradas, ao mesmo tempo em que seu carisma toma a tela de uma forma que não há como o espectador não simpatizar pelo personagem. O ator é dono do filme em sua primeira metade, e serve como uma espécie de mentor a Django.

Injustamente esquecido por grande parte das premiações, Leonardo DiCaprio (Ilha do Medo) não esteve abaixo de seus companheiros, pelo contrário. Absolutamente ensandecido como Calvie Candie, o ator ganha a maioria das cenas em que participa, bastante favorecido pela direção de Tarantino, que valorizou a interpretação do ator e suas expressões (o que foi aquele, genial, extreme close up na primeira aparição do mesmo?). A cena do martelo já é uma das mais marcantes na filmografia do diretor. E se Kerry Washington (As Mil Palavras) pouco aparece como Broomhilda, limitando-se a ser a “princesa presa no castelo”, Samuel L. Jackson (Os Vingadores) surpreende como o desprezível Stephen, um negro que nutre racismo por sua própria raça e que se rendeu ao sistema, trabalhando para Candie gerenciando sua fazenda e “disciplinando” seus escravos. Inesperadamente, o personagem ganha grande importância para a trama e tem um desfecho mais que merecido.

Apesar da grande duração, Tarantino não perde o "time" de sua obra, deixando o espectador interessado a todo o momento, seja pelas piadas e sacadas geniais ou belo banho de sangue em tela (e não faltou sangue), mesmo imprimindo a seu modo um ritmo lento, que remete aos westerns clássicos. No entanto, deve-se dizer que a paixão do diretor por seu roteiro acaba incluindo algumas cenas que poderiam ter ficado na sala de edição. A participação de Jonah Hill (Anjos da Lei), por exemplo, toda a cena do “nascimento” da KKK é uma piada engraçadíssima, mas que não move a trama para lugar algum. O mesmo pode-se dizer da longa cena em que Quentin (atenção para os spoilers) participa, ainda que seja um sacrilégio criticá-la, pois seu desfecho é sensacional. 

Foto: Sony Pictures

Também traz valor à obra o primor técnico do diretor, que melhora com o passar do tempo. A fotografia é belíssima (o tiroteio no hall da mansão de Candie particularmente), e corajosa, reservando momentos em que a única iluminação em cena é a luz de velas. As locações são incríveis e a ausência de efeitos digitais traz um realismo importante para o filme. Os enquadramentos diferenciados e sua linguagem única de contar a história estão lá, acompanhados de mais uma marcante trilha sonora que, em certo momento, possibilita assistirmos a um faroeste ao som de hip hop, de uma forma que não poderia ser mais cool. Cenas e diálogos marcantes não faltam, uma pena, de verdade, que grande parte deles aparece no trailer do filme, o que diminui levemente o impacto quando assistidas na grande tela – “The D is silent” ou “Gentlemen, you have my curiosity. But now you have my attention”, são exemplos.

O fato é que Tarantino conseguiu novamente cravar seu nome na história do Cinema, nos apresentando uma divertida homenagem aos westerns que sempre mostrou ter influência em suas obras. Django Livre já é o filme mais lucrativo de sua filmografia, o que mostra a força do diretor e seu alcance ao longo do tempo, deixando qualquer cinéfilo satisfeito, afinal, o que é bom tem de ser apreciado. Agora, após dois épicos históricos, estou ansioso para ver o diretor voltar ao ambiente urbano e contemporâneo ou, quem sabe, um filme de máfia. Seria interessante ver uma história de gangsteres aos olhos de Quentin Tarantino, que já flertou com o tema em Cães de Aluguel (1992), Pulp Fiction e em seu roteiro para Amor a Queima-Roupa (1993). Mas já estou divagando, coisa de fã, vocês devem entender.

Ótimo

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