Itinerância da Mostra Internacional de Cinema em Santos | Dia 2


Ontem foi o 2º dia de Itinerância da Mostra Internacional de Cinema em Santos/SP, cidade que nasci e resido. Eu, à convite do Cine Roxy, estou cobrindo o evento de ponta a ponta.

Para conferir a programação completa da Itinerância é só clicar AQUI! Se você é de Santos, da Baixada Santista, ou estará por aqui nos próximos dias, não pode perder.

A Itinerância é fruto de uma parceria entre Sesc Santos e Cine Roxy. Os filmes estão sendo exibidos no Roxy 4 do Shopping Pátio Iporanga, na Av. Ana Costa, 465, no bairro do Gonzaga.

Abaixo as críticas dos longas exibidos no dia 2. Até amanhã!


Diretor: Bruno Dumont
Roteiro: Bruno Dumont
Elenco: Alane Delhaye, Lucy Caron, Bernard Pruvost, Philippe Jore e Philippe Peuvion
Origem: França

3) O Pequeno Quinquin (P'tit Quinquin, 2014)

O capitão de polícia Van der Weyden (Bernard Pruvost) e seu parceiro Carpentier (Philippe Jore) investigam a descoberta de uma vaca morta preenchida com restos humanos dentro de um galpão alemão abandonado após a Segunda Guerra. Enquanto buscam respostas, eles são seguidos pelo pequeno Quinquin (Alane Delhaye), um menino que cria confusão por onde passa junto com seus amigos e a namorada que troca trombeta, Eve (Lucy Caron).

Por essa sinopse divulgada pelo guia oficial da Itinerância, aguardava assistir um drama investigativo com teor artístico, portanto menos comercial. No entanto, quando Carpentier derruba estupidamente a si mesmo e a seu capitão do topo do galpão alemão, o diretor Bruno Dumont deixa tudo muito claro: aqui assistiremos uma comédia. Dramática, mas ainda assim uma comédia por essência, e bem diferente do convencional.

O Pequeno Quinquin nos apresenta um mundo de adultos trapalhões como crianças e crianças contemplativas como adultos, mas tem a sensibilidade de manter intacta a inocência infantil. Basicamente as crianças são as mais "normais" em um mundo de patetas. E uso o adjetivo "pateta" pois a pantomima reina nessa comédia de humor predominantemente físico. É comum nos pegarmos rindo de um personagem que anda de forma estranha (há bastante humor negro na obra), ou do tolo giro que a dupla de policiais dá com o carro toda vez que vão partir. Há momentos inspiradíssimos em que o diretor nos faz gargalhar de um velório, imaginem só. Talvez uma das melhores cenas do filme.

Van der Weyden é quem dita o tom da narrativa. A composição do capitão é curiosa, e se você não compra sua participação, talvez a obra não funcione como um todo. De andar estranho e cheio de tiques faciais que beiram a bizarrice, o personagem me fez lembrar do Professor Abronsius, de A Dança dos Vampiros de Roman Polanski, talvez pelos cabelos brancos desgrenhados e o expressivo bigode, mas especialmente pelo modo atrapalhado que investiga os casos. A contraposição do humor pastelão com uma trama densa de assassinados brutais é incomum e eficaz.

O garotinho que dá título ao longa é outra composição marcante da narrativa. Com um semblante quase sempre sério, de olhar cerrado e testa franzida, Quinquin parece um mini adulto. Um personagem que só quer se divertir de maneira rebelde e inconsequente com seus amigos, mas que guarda momentos de doçura incontestáveis para com a mãe e sua namorada. A dinâmica do grupo de garotos em muito me lembrou filmes como Os Goonies ou Conta Comigo, mas com o diferencial de que gostam de aprontar mais.

Talvez o grande problema de O Pequeno Quinquin seja sua longa duração. Os 200 minutos de projeção cansam o espectador em determinado momento, especialmente na transição do terceiro para o quarto capítulo, algo que é preocupante. Dessa forma, não me surpreendeu descobrir que a obra foi originalmente lançada como uma minissérie francesa de 4 capítulos, um formato que, acredito, seja mais generoso para a trama que está sendo contada. Um agravante é vermos os personagens a cada capítulo nos lembrando do que aconteceu no anterior, uma estrutura bastante comum em programas televisivos, mas que aqui soa repetitivo e desnecessário.

Dito isso, adoraria revisitar a obra, mas em seu formato original. Tenho convicção de que será uma experiência bem melhor digerida.

Muito Bom

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4) Queen & Country (idem, 2014)

Diretor: John Boorman
Roteiro: John Boorman
Elenco: Callum Turner, Caleb Landry Jones, David Thewlis, Richard E. Grant, Vanessa Kirby e Tamsin Egerton
Origem: Reino Unido

Dificilmente assisto uma sequência sem já ter visto a obra que a originou, algo que acabou ocorrendo com esse Queen & Country. Talvez se soubesse que tratava-se de uma continuação do bastante elogiado Esperança e Glória (Hope & Glory, 1987), certamente teria o assistido antes. O fato é que acredito que a falta da experiência anterior em nada comprometeu a minha percepção deste, por mostrar-se um filme independente e coeso. Pelo contrário, serviu ainda para aguçar minha curiosidade para com seu predecessor, que já pretendo assistir em breve.

Bill Rohan (Callum Turner) é um jovem britânico de 18 anos que tem seus sonhos interrompidos ao ser convocado pelo serviço militar durante a Guerra da Coréia em 1952. No campo de treinamento ele conhece Percy (Caleb Landry Jones), do qual se torna grande amigo. Após algum tempo, ambos se tornam instrutores e terão que lidar com o desagradável sargento Bradley (David Thewlis), ao passo que exploram a vida longe de casa e as paixões que encontram pelo caminho.

Escrito e dirigido por John Boorman (Excalibur), o longa apresenta uma atmosfera bastante agradável, nunca mostrando-se excessivamente dramático ou cansativo, mesmo que alguns eventos possuam sua carga dramática. Isso se dá pela fotografia romântica aplicada (que ressalta os "anos dourados"), mas principalmente pelo roteiro, que sabe utilizar do humor com inteligência para dar leveza as cenas (como o desfecho do roubo do relógio). É também através do texto que o espectador - na figura dos recrutas - é pontuado com relação a Guerra da Coréia e o eventual falecimento do Rei, evitando assim diálogos expositivos demasiados, o que é sempre bom.

A natureza narrativa da obra é essencial para que clichês como o do sargento linha dura funcionem tão bem, assim como as "traquinagens" dos recrutas, que parecem a todo momento buscar uma aventura escapista de dentro dos campos militares. Em determinado momento os personagens falam da "prisão" em que adentraram, quando também citam Casablanca para marcar o início da amizade de ambos.

Os protagonistas apresentam personalidades opostas e por isso acabam funcionando tão bem em tela. Enquanto Bill mostra-se um cara regrado, introspectivo e romântico, você já sabe o que esperar de Percy. Ambos convencem em seus papéis, ainda que ache o primeiro um tanto quanto inexpressivo, mas nada que prejudique o resultado final. Gosto também de como o diretor lida, quase no terceiro ato, com a introdução de personagens importantes para a conclusão da narrativa. Sempre de forma fluída e natural. 

Se por um lado a direção e roteiro me agradaram, o mesmo não posso dizer de alguns aspectos técnicos. É notório o uso de green screen em determinados momentos, o que sempre atrapalha a experiência do espectador, assim como, algumas cenas de luta mostram-se bastante inverossímeis por conta de coreografias mal ensaiadas. Curiosamente (e aqui faço apenas uma observação, visto que isso não interfere no longa em si) o que mais me incomodou foi o poster promocional do filme (imagem acima desse texto), que vende uma imagem completamente deturpada e, até certo ponto, condenável. Digo isso pois o casal que aparece em destaque na verdade não é um casal. São dois irmãos encontrando-se após anos. O que não faz um clique no momento certo...

Queen & Country, afinal, mostra-se um filme coeso, divertido, que lida com temas universais como romance, família e amizade, dentro de um contexto histórico bem empregado. Uma obra que não tem pretensão de ser maior do que realmente é. E esse talvez seja seu maior trunfo.

Ótimo



A cobertura da Itinerância da Mostra Internacional de Cinema em Santos só foi possível graças ao convite do Cine Roxy, que realiza o evento com sucesso na região já pelo 3º ano consecutivo. Deixo aqui registrado meu agradecimento em nome do Cinéfilo em Série.

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