CRÍTICA | Atômica

Direção: David Leitch
Roteiro: Kurt Johnstad
Elenco: Charlize Theron, James McAvoy, John Goodman, Sofia Boutella, Eddie Marsan e Toby Jones
Origem: EUA
Ano: 2017

“She’s a killer queen.”


A música do Queen define perfeitamente a rainha matadora Lorraine Broughton (Charlize Teron), uma agente secreta que, no final da década de 80, com a Alemanha dividida pelo Muro de Berlim, tem a missão de investigar o sumiço de uma lista que contém nomes de espiões disfarçados. Ela é mandada para o lado Oriental da cidade para tentar resgatar a lista com a ajuda de um agente local, David Percival (James McAvoy), mas percebe que não pode confiar em ninguém, além dela mesma e seus instintos. 

Baseado na HQ The Coldest City, Atômica (Atomic Blonde) é mais um filme que está abrindo espaço para o protagonismo de personagens femininas em grandes produções. Lorraine pode ser facilmente chamada de “Espiã Maravilha”, em referência a personagem mais famosa da DC Comics, não só pela cena de luta em que usa uma “corda amarela”, mas também por ser o que esperamos de uma heroína de ação. Nesse ponto, podemos destacar a direção de David Leitch (De Volta ao Jogo), que utiliza,  em vários momentos, planos contra plongée para enfatizar a grandeza da personagem. 

O roteirista Kurt Johnstad (300) conta a história de maneira não linear, em forma de flashback, com Broughton narrando os fatos em um interrogatório, em cenas que acabam servindo como contrapondo para as cenas de ação. No entanto, se nesse ponto o roteiro acerta, em outros acaba deixando um pouco a desejar. Fica a impressão de que a trama foi elaborada em prol das cenas de luta, e não o contrário. Com uma complicada história de agentes duplos misturada com conspirações, Atômica guarda muito de suas revelações para seu desfecho, e quando ele vem, acaba contando tudo de forma rápida e um pouco desconexa. Em seus momentos finais, o filme possui uma reviravolta que desconsidera tudo que havia sido explicado até ali, o que acaba desfavorecendo a obra, em meio à montanha russa de informações. O espectador que estiver distraído pode acabar se perdendo na história.

Crédito: Universal Pictures

Outro ponto que merecia ser melhor trabalhado é o desenvolvimento dos personagens, que não chamam a atenção o suficiente para que nos importemos com eles. A trama em, si não é envolvente e depende muito do aspecto visual, das sequências de ação, das atuações e da trilha sonora. Tais elementos são essenciais ao cinema, mas não compensam a falta de engajamento com a trama.

Visualmente o filme é bem feito. Leitch possui um apuro técnico que reflete em sua direção atenciosa e aprimorada.  A direção de arte, por sua vez, vai muito além dos belos figurinos da protagonista, contando com uma produção extremamente competente, reconstruindo a Berlim dos anos 1980 das roupas aos automóveis, das boates aos pontos populares. O público é transportado naquele tempo e espaço. A fotografia é maravilhosa, e ainda que utilize uma paleta de cores fria, Atômica trabalha bem o uso de cores fortes e vibrantes, como quando realça o azul e o roxo, ou o rosa e o vermelho, como na cena do bar onde Lorraine conhece Delphine (Sofia Boutella).

Outro elemento de destaque na obra é sua trilha sonora, bem executada e inserida a dedo, com os principais sucessos da década de 80: David Bowie, The Clash, New Order, Depeche Mode, After the Fire, entre outros. Ajuda a dar um "charme" maior a produção, enquanto vemos Charlize Theron (Mad Max: Estrada da Fúria) brilhando em tela. James McAvoy (Filth), também está ótimo e entrega novamente uma atuação excepcional, chocante e cativante, nos mostrando um agente Percival que oscila entre uma tranquilidade irônica e uma raiva assassina em segundos.

Posso afirmar que o melhor de Atômica são suas cenas de luta meticulosamente pensadas e realistas. O longa sabe distribuir a ação, adicionando certa complexidade em relação a outros filmes do gênero. Há planos-sequência impactantes e duradouros, as lutas vão se tornando cada vez mais violentas, até atingir o auge na cena da luta sem fim, que, por si só, faz valer o ingresso do cinema. Trata-se de uma cena marcante e magistralmente coreografada, em um plano-sequência de aproximadamente 10 minutos. Lorraine rola escada abaixo, apanha, bate, atira e usa qualquer coisa como arma, tudo com um senso de realidade que não estamos acostumados a ver em filmes de ação por aí, que se limitam a apresentar cortes rápidos como ferramenta narrativa.

Crédito: Universal Pictures

Talvez o único aspecto ruim e não realista é o fato de que as pessoas simplesmente não morrem. A resistência dos personagens a facadas, perfurações, tiros e atropelamentos chega a ser cômica em determinados momentos. A imponência de Lorraine, por exemplo, causa poucos momentos de vulnerabilidade à personagem, como se todos os obstáculos pelos quais ela passa fossem muito fáceis e resolvidos rapidamente, apenas com pancadaria ou tiroteios. Não me leve a mal, amei as cenas de ação do filme, mas para mim, tudo é fácil demais para protagonista e isso não traz o senso de realidade que a própria obra propõe, ainda que seja o bastante para nos fazer bater palmas para a dedicação de Theron no papel.

Sendo assim, Atômica surpreende em muitos aspectos, mas deixa a desejar em outros. É descolado, moderno e empolgante, fazendo com que seus erros sejam suprimidos por seus acertos. Merece ser visto no cinema, principalmente pelo trabalho de Charlize Theron, que depois da icônica Furiosa, de Mad Max: Estrada da Fúria, agora nos entrega Lorraine, provando que está pronta para tudo. Pisa menos, querida!

Bom


   

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