CRÍTICA | Como Nossos Pais

Direção: Laís Bodanzky
Roteiro: Laís Bodanzky e Luiz Bolognesi
Elenco: Maria Ribeiro, Paulo Vilhena, Clarisse Abujamra, Felipe Rocha, Cazé Peçanha, entre outros
Origem: Brasil
Ano: 2017


Qual é a nossa função como mulheres na sociedade? Eu digo como mulheres, não como meninas - ou seja, o que a sociedade espera que faremos quando formos adultas? O que nós crescemos para saber fazer melhor? E o que essa mesma sociedade, e a família, não nos ensina nesse processo?

Como Nossos Pais, novo longa de Laís Bodanzky (Bicho de Sete Cabeças), tenta responder algumas dessas perguntas com o retrato da personagem de Rosa (Maria Ribeiro), uma mulher de 38 anos, com um marido ausente no lar e duas filhas (uma criança e uma pré-adolescente), vivendo uma rotina deveras estressante e procurando manter uma imagem forte, confiante e decidida, mesmo que isso não corresponda com a sua realidade emocional no momento. Acompanhamos Rosa por sua rotina, mas também por eventos que fogem completamente a ela, como a descoberta de um segredo familiar que sua mãe guardou por toda a sua vida e a dor de lidar com um parente com uma doença terminal. Sua carreira, também, passa por extrema crise, e Rosa, com todos esses problemas revelados no primeiro ato do filme, perde boa parte do chão que a sustentava até então.

Crédito: Imovision

A construção dessa personagem é a riqueza do filme. Percebemos o seu esforço de parecer forte, mas não pela simples vontade de sê-lo, mas pelo fato de que se ela não o for, a estrutura familiar desaba logo atrás dela - e ela sabe disso. Rosa é o pilar do seu núcleo familiar, assim como sua mãe, Clarice (Clarisse Abujamra), foi o pilar de seu núcleo familiar a sua época. Ela realiza diversas funções, também não só porque ela quer realizá-las, mas porque sabe que a responsabilidade cai sobre ela: das tarefas domésticas, da criação das filhas, da manutenção da atividade sexual do seu casamento. Todas essas nuances são indicadas por uma atuação exuberante de Maria Ribeiro (Tropa de Elite), que põe a personagem sempre à beira do desespero por meio de expressões faciais certeiras em momentos triviais, do dia a dia. Além disso, o roteiro traz profundidade a ela pelas relações e diálogos estabelecidos com outros personagens. Sua relação com a mãe, por exemplo, é uma das mais belamente construídas no cinema brasileiro, pois não é estereotipada como um conflito constante ou uma amizade feliz. As nuances nos ensinam sobre a natureza da maternidade e do envelhecimento.

Os personagens homens, por outro lado, parecem representar mais características gerais do que pessoas completas. Particularmente não leio como um problema muito grave, visto que são retratados como parte da vida da protagonista, cada um representando um desafio diferente à sua plenitude como pessoa. Temos o pai, Homero (Jorge Mautner), necessitado ao extremo da ajuda dela e de outras mulheres; o personagem de Herson Capri, que surge em sua vida já demandando atenção; o marido, Dado (Paulo Vilhena), que claramente não consegue gerir um lar sem a sua presença; e o amigo/paixão Pedro, que, sendo o único que consegue lhe fornecer alguma ajuda, representa para ela um respiro tranquilo do cotidiano. Essa variedade de personagens são, de fato, pouco explorados por suas próprias existências e servem mais para nos mostrar como Rosa reage ao mundo e como ele a impacta. E que alívio ver uma protagonista mulher ser, ao contrário das expectativas, mais desenvolvida no roteiro do que seus colegas homens em um filme.

Crédito: Imovision

Como Nossos Pais é um estudo de personagem que, além da excelência na execução, com bons atores e cenas convincentes, consegue questionar nossos papéis de gênero e as expectativas que se colocam sobre aquelas que são diariamente inferiorizadas por uma hierarquia que, por mais que tenha alterado sua forma de oprimir, ainda permeia nossa sociedade. Rosa quer se livrar das amarras e ser uma mulher livre, autêntica. Esse desejo é interpretado, por aqueles ao seu redor, como um sonho fugaz, um delírio adolescente, por mais que não o seja, o que ela tenta reafirmar para si mesma ao jogar fora seus tênis All-Star, por exemplo.

Por que o desejo de se libertar não seria adulto da parte dela? Em última instância, o questionamento que fica é: será que estamos certas em exigir que não só sejamos mulheres adultas, empoderadas e fantásticas em nossas carreiras, mas também tenhamos que ser isso o tempo todo, sem titubear? Seria permitida a nós a fraqueza, e que essa fraqueza não seja considerada antifeminista ou estereotipada?

Ótimo

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