CRÍTICA | Você Nunca Esteve Realmente Aqui

Direção: Lynne Ramsay
Roteiro: Lynne Ramsay
Elenco: Joaquin Phoenix, Ekaterina Samsonov, Judith Roberts, entre outros
Origem: Reino Unido / França / EUA
Ano: 2017


Quando se lê a sinopse de Você Nunca Esteve Realmente Aqui (You Were Never Really Here), a primeira impressão é a de que você já viu essa história sendo contada outras vezes no cinema. De certa forma, isso é verdade. Temos um filme que, aqui ou ali, remete bastante à ideia central de um homem problemático fazendo justiça com as próprias mãos ao salvar alguém indefeso. No entanto, a diretora e roteirista Lynne Ramsay (Precisamos Falar Sobre o Kevin), se arriscou ao trazer um olhar diferente sobre tal tema, sendo muito feliz com seu resultado final.

O longa chegou ao Brasil apenas em 2018, porém já fora exibido no Festival de Cannes 2017 e coroado nas categorias de Melhor Roteiro, por Ramsay, e Melhor Atuação Masculina, para Joaquin Phoenix (Maria Madalena), que venceu merecidamente na categoria, com uma performance totalmente imersiva e agonizante.

Aqui acompanhamos o perturbado Joe (Phoenix), um veterano de guerra que carrega muitos traumas do passado em sua vida adulta, retratados por meio de flashbacks aleatórios e por determinados comportamentos suicidas. O homem se torna um tipo de "assassino de aluguel", dando a entender que sempre se envolve em casos de resgate de meninas em alguma situação de abuso. Contratado por um senador que está à procura da filha desaparecida, Nina (Ekaterina Samsonov), acompanhamos a jornada do protagonista em um caso que foge do seu controle, proporcionando uma resolução bastante fora do comum.

Foto: Divulgação

É justamente a construção do personagem de Phoenix que carrega todo o filme. Esteja pronto para embarcar na mente traumatizada do protagonista, pois essa é a proposta aqui. Joe vive com a mãe e, em sua presença, tem atitudes que lembram as de uma criança. Por outro lado, quando em serviço, o homem se transforma em uma máquina de violência, junto de seu martelo, tornando-se praticamente imbatível. Os pequenos gestos do ator, construídos de maneira minuciosa, também são reflexos de um homem cheio de marcas (de forma figurada e literal) e que dizem muito ao espectador, mesmo em uma obra com pouquíssimos diálogos.

O espelho com realizadores e longas de outrora são inevitáveis. De início, lembramos de Drive (2011) e do diretor Nicolas Winding Refn, pelos detalhes da câmera acompanhando os passos do personagem em movimento, o martelo como instrumento de tortura, a trilha sonora que dá ritmo a obra. Depois, o clássico Taxi Driver (1976), de Martin Scorsese, parece ser evocado, com o homem de olhar distante, traumatizado, ao mesmo tempo quase juvenil e friamente explosivo. O Profissional (1994) também veio a minha mente, embora a relação de Joe e Nina necessite de menos tempo para entendermos que ambos precisaram "crescer" cedo demais para sobreviverem em uma sociedade que os força a abraçar a violência. E aquela casa no final poderia facilmente ser locada para a filmagem de O Iluminado (1980), de Stanley Kubrick, é bom dizer.

A parte técnica também merece destaque, especialmente quando alinhada com a câmera da diretora. Jonny Greenwood (guitarrista do Radiohead) mais uma vez se mostra um ótimo colaborador de trilha sonora cinematográfica, na qual dá o exato ponto de tensão em cena. A frieza da fotografia dá o tom dos personagens e de suas ações, e até o sangue fica mais impactante quando explode em tom vermelho-escuro na face de Phoenix em determinado momento.

Foto: Divulgação

Pode-se dizer que a escocesa Lynne Ramsay conseguiu trazer originalidade a um gênero cheio de obras marcantes. Diferente de algumas das obras que cheguei a citar, a diretora opta por nos poupar da violência explícita em diversos momentos e brinca com o nosso imaginário, ao mesmo tempo que acerta em nos surpreender com a crueza de algumas cenas. Há um equilíbrio visual nessa história, que aborda temas pesados como pedofilia, abusos e assassinatos cruéis. O impacto dos traumas na vida de Joe é tratado com delicadeza, embora não nos poupe da impiedosa reflexão. Ele e Nina são sobreviventes, e infelizmente terão que aprender a lidar com a condição da inocência interrompida pela maldade do ser humano.

Ótimo

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