CRÍTICA | Vida Selvagem

Direção: Paul Dano
Roteiro: Paul Dano e Zoe Kazan
Elenco: Jake Gyllenhaal, Carey Mulligan, Ed Oxenbould, entre outros
Origem: EUA
Ano: 2018


Desde o anúncio de um trabalho de direção de Paul Dano (Sangue Negro), com a colaboração de roteiro de sua companheira Zoe Kazan (Ruby Sparks: A Namorada Perfeita), sobre um livro dos anos noventa, tudo acerca do projeto soava como uma catarse indie assertiva. Ainda é possível admitir que a empreitada alcançou essa configuração de catálogo, mas com um resultado perigoso e insatisfatório.

Desde o primeiro take, com um engraxar de sapatos, Vida Selvagem (Wildlife) sugere um conflito de classes como pivô do derretimento do núcleo familiar protagonista, uma espécie de denúncia das insuficiências e falsificações do american dream introjetado na sociedade estadunidense que proclama a igualdade de direitos e oportunidades a todos os cidadãos com uma mão, enquanto oferece na outra barreiras intransponíveis de condição social e financeira. Tudo é perfeito na primeira apresentação da família, o jornalzinho, o rádio, a mulher na cozinha, as paredes ensolaradas, o filho prodigioso. Mas com a mesma facilidade que esta plasticidade é declamada, ela rasga, como uma película fina de sonhos que não suporta a primeira investida.

Jerry (Jake Gyllenhaal) é um pai que perde o emprego e, com o orgulho ferido, busca um ofício heroico e abnegado nas lutas contra incêndios florestais da região, mesmo que com um salário pífio. Deixando a família de escanteio para seguir seu delírio, sobra para Jeanette (Carey Mulligan) obter uma ocupação suficiente para sustentar a família, se submetendo a jogos de sedução imundos para lograr um espaço nos sonhos prometidas pela sociedade.

Foto: Sony Pictures

Os problemas dessa condução narrativa são inúmeros. Apesar da fotografia de grandes e lindos planos isolar afetiva e fisicamente a família, também não se vê um mínimo de restrição social que os acompanhe. Apesar de serem menos abastados, o dinheiro não é nunca um problema grave. A religião vigente da comunidade não os aflige, a escola não é mais que um estorvo. Quando os personagens imediatamente começam a tomar decisões precipitadas em rompantes de convicção e pavor, todas essas sensações brotam espontâneas pela necessidade da história, mas não estavam ali no momento anterior. O que é estabelecido pelo filme permite apenas que concluamos que a perda do emprego conduziu patriarca e matriarca à loucura. Ele fugindo de sua impotência, ela se tornando adúltera para subir de vida. 

O papel do filho Joe (Ed Oxenbould) como assistente de fotografia é uma maneira bacana de ilustrar sua ambição em congelar o tempo e preservar a estrutura familiar que conhece, mesmo que sua unidade só exista na superfície da imagem. Mas não há o que dialogue com os medos de seus pais durante todo o filme, garantindo cenas que, apesar de bem dirigidas, são constrangedoramente injustificáveis pelo conjunto, como toda a sequência bizonha na casa de um ricaço aproveitador, bêbado de charuto e com uma camisinha destacada na cabeceira para sugerir ao espectador suas intenções, um movimento cênico hilário.

Frustra porque é perceptível que não é esta a intenção, mas a obra não contempla um conflito de classes direto, mas sim o pânico dos menos favorecidos em... não se tornarem ricos? Nunca parece que seu modo de vida está ameaçado, mas talvez esteja em risco as fantasias de ascensão econômica. Essa má resolução corrompe o caráter de todas as opções da Jeanette, tornando suas desistências, mentiras e traições nulas em origem e quase acusando a personagem por toda a aniquilação emocional de seus entes queridos, um espasmo involuntário, mas grosseiro de misoginia. 

Foto: Sony Pictures

Ruim

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