CRÍTICA | Cafarnaum

Direção: Nadine Labaki
Roteiro: Nadine Labaki, Jihad Hojeily e Michelle Keserwany
Elenco: Zain Al Rafeea, Yordanos Shiferaw, Boluwatife Treasure Bankole, entre outros
Origem: Líbano / EUA / França
Ano: 2018


Era quase meia-noite quando os créditos finais de Cafarnaum (Capernaum) subiram na grande tela. Pessoas em lágrimas saíam da sala de cinema. Outras permaneciam sentadas em seus lugares incapazes de se mover. Impactadas. Eu era uma delas. A sociedade atual é boa em criar distrações. Seguimos dispersos e algumas realidades negligenciadas. No entanto, quando o outro é posto bem na sua frente, como desviar o olhar?

A palavra “Cafarnaum” tem dois significados: lugar em que há tumulto ou desordem e/ou uma cidade bíblica onde se diz que Jesus praticou milagres. No que tange ao filme, o primeiro conceito, certeiro; o segundo, sarcasmo. 

A obra, dirigida e também estrelada por Nadine Labaki (E Agora Onde Vamos?), conta a história de Zain (Zain Al Rafeea), um menino de 12 anos que vive com seus pais e vários irmãos em um cortiço no Líbano. Quando sua irmã mais nova, de apenas 11 anos, é forçada a se casar, ele foge de casa e encontra uma realidade ainda mais dura que a vivida anteriormente.

Quando nos damos conta, estamos diante de uma tragédia. A infância roubada, violência doméstica, refugiados, tráfico de pessoas e a miséria dos esquecidos. Encaramos uma vida difícil quando esta não deveria ser. Vemos tudo aos olhos de um menino que teve sua identidade - como criança e como cidadão - negada.

Foto: Divulgação

Cafarnaum traz a realidade para a ficção, com aquele toque documental para constituir esse cinema verdade. Planos feitos do alto para retratar um espaço de extrema pobreza e sem saída. Câmera na mão e imagens tremidas e tensas nas cenas de hostilidade e apreensão. Um elenco de não atores. O próprio protagonista é um refugiado sírio que vive no Líbano e não deixa nada a desejar nos enquadramentos bastante próximos de seu rosto. Pelo contrário. Zain entrega com perfeição a figura do garoto que foi forçado a crescer rápido demais e a aprender as malandragens e regras da rua. Suas expressões passam de forma impecável sua esperteza e maturidade. Sua raiva e desespero com a vida que lhe foi imposta nos atingem. A verdade de seu mundo nos atinge. 

Diante das imagens, testemunhamos a nós mesmos assumindo a posição de juízes. Julgamos os pais de Zain pela omissão e descuido. Julgamos o próprio Zain quando este, depois de se encontrar em uma situação desoladora e sem saída, repete as atitudes de seus responsáveis. Mas quem somos nós? O que podemos afirmar diante de uma existência que não é a nossa? 

Sentados em poltronas confortáveis em uma sala com ar condicionado, presenciamos uma verdade escancarada. Sofremos, estarrecidos, e no final limpamos as lágrimas. Voltamos aos nossos apartamentos, aos nossos carros e conversamos sobre o tal filme libanês indicado ao Oscar e como o mundo está doente. No dia seguinte, ignoramos um morador de rua ou julgamos o indivíduo que recorreu ao tráfico para sobreviver. Enquanto isso, no Oriente, as crianças pobres, as crianças refugiadas, nem sonham em entrar num cinema para assistir ao longa-metragem que lhes representa. 

Foto: Divulgação

A hipocrisia é a verdade dos privilegiados do Ocidente. Ao final da obra, eu não fazia ideia de como iniciar essa crítica e muito menos como terminá-la. Receio que minhas palavram continuem apenas palavras e que o filme seja apenas mais uma boa obra a ser recomendada aos amigos. 

Que não esqueçamos o objetivo do cinema: tornar possível o impossível. Cafarnaum é forte e impactante, mas não deixemos que seja somente isso. Que não nos acomodemos em nosso lugar de mero espectador, que nosso incômodo torne-se caridade e mudança. Que não olhemos com solidariedade apenas para uma representação. O real e a injustiça vivem a cada esquina.

Excelente

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