CRÍTICA | Ata-me

Direção: Pedro Almodóvar
Roteiro: Pedro Almodóvar
Elenco: Victoria Abril, Antonio Banderas, María Barranco, entre outros
Origem: Espanha
Ano: 1989

Ricky (Antonio Banderas) é um homem com problemas de saúde mental que acaba sequestrando uma atriz em ascensão, Marina Osorio (Victoria Abril), na esperança de que ela se apaixone por ele. Em cativeiro em seu próprio apartamento, Marina se vê amarrada em sua cama toda vez que seu algoz precisa deixar o local, dando origem ao título do filme: Ata-me (Átame!).

Como em todo longa-metragem dirigido por Pedro Almodóvar (Mulheres à Beira de um Ataque de Nervos), o aspecto visual é sempre o primeiro elemento a encher os olhos do espectador, sempre com figurinos e elementos de cena de cores marcantes, em especial o vermelho. Uma identidade estabelecida já nas primeiras obras do cineasta.

Mais do que isso, impressiona o domínio de Almodóvar, e do cinematógrafo José Luis Alcaine (Dor e Glória) - ambos em início de carreira -, na composição de suas cenas, trabalhando ângulos e enquadramentos de forma a valorizar cada tomada, driblando o baixo orçamento e entregando um trabalho a se admirar.

Soma-se a isso a trilha sonora do mestre Ennio Morricone (Os Intocáveis), que estabelece um clima de tensão em muitos instantes, ao mesmo tempo que sugere sentimentos de doçura e paixão aos protagonistas, elementos que geram discussões interessantes sobre os temas propostos pelo roteiro escrito pelo próprio Almodóvar.

El Deseo

É como se Ata-me fosse uma espécie de ensaio do que viria a se tornar A Pele Que Habito (2011), 22 anos depois. A questão é que, aqui, a trama é menos bem resolvida do que seu predecessor, já que o segundo é claramente um filme de horror, enquanto o primeiro navega perigosamente entre um thriller e um romance mal (ou bem?) resolvido.

Almodóvar brinca de forma bem-humorada com a metalinguagem, entrelaçando os acontecimentos da obra com a produção de um longa de terror B, cujas filmagens Marina participava até ser sequestrada. Mas o humor termina aí, já que as ações de Ricky ao longo do projeção são perturbadoras.

O personagem vivido por Antonio Banderas (Femme Fatale) é construído de forma intrigante. Trata-se claramente de uma pessoa com problemas emocionais severes, que comete atos horríveis, mas que possui certa pureza/inocência em certos momentos (destacados pela trilha de Morricone, como ressaltei antes), o que invariavelmente acaba fazendo com que o espectador tenha empatia pelo mesmo. Prova não apenas de um bom desenvolvimento de personagem por parte do roteiro, mas principalmente pelo grande trabalho de Banderas.

Victoria Abril (De Salto Alto), por sua vez, passa pelas maiores - e mais polêmicas - transformações do longa. E por se tratar de um filme de 1989, falarei abertamente sobre o desfecho. A forma como Marina passa de uma vítima assustada e raivosa para enfim se apaixonar por Ricky é fascinante, e ao mesmo tempo desesperador. É algo carnal, uma relação construída de forma surreal, afinal estamos falando de uma vítima de abuso se apaixonando por seu raptor. Talvez possa até se enquadrar como a famigerada Síndrome de Estocolmo, o que torna tudo incômodo ao espectador, mas não menos magnético em tela.

El Deseo

Talvez a cena final na estrada não fosse necessária, por encerrar a história de forma excessivamente romântica, que parece normalizar toda aquela situação. É como disse antes, Ata-me não é tão bem resolvido como outros longas de Pedro Almodóvar, mas ainda assim é um bom filme, que gera discussão e coloca o espectador em um conflito de emoções que é sempre bem-vindo quando assistimos obras que nos desafiam de alguma forma. 

Bom



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