CRÍTICA | Mulheres à Beira de um Ataque de Nervos

Direção: Pedro Almodóvar
Roteiro: Pedro Almodóvar
Elenco: Carmen Maura, Antonio Banderas, Julieta Serrano, entre outros
Origem: Espanha
Ano: 1988

Apesar de Pedro Almodóvar (Dor e Glória) já chamar a atenção com seus primeiros filmes, sua consagração no mercado cinematográfico viria mesmo com Mulheres à Beira de um Ataque de Nervos (Mujeres Al Borde de Un Ataque de Nervios), um de seus longas de maior sucesso e o primeiro a lhe garantir reconhecimento internacional, assim como sua primeira indicação ao Oscar de Melhor Filme em Língua Estrangeira. Uma comédia dramática pontuada de paixões, relações familiares complexas e uma reprodução do universo feminino a partir do que ele extrai em seu contexto social.

A maioria das obras do diretor espanhol giram em torno de mulheres. Da mente do cineasta, surgiram personagens fortes, tragicômicas, desafiadoras, coloridas. Não se trata de um cinema feminista, mas de um cinema que exalta o feminino, que é retratado por um olhar antropológico, ao reposicionar as mulheres para o centro das narrativas, lhes dando o protagonismo que, até então, não se via em grande parte dos filmes. Há um cuidado em elaborar um conjunto de referências culturalmente relacionadas às mulheres para facilitar a familiaridade do público.

O longa tem como essência a história de Pepa (Carmen Maura) e sua busca incessante pelo amante Ivan (Fernando Guillén). Além dela, Lucía (Julieta Serrano) está determinada a ter seu marido de volta; Marisa (Rossy De Palma) está preocupada com o crescente interesse do noivo pelos problemas enfrentados pela amante do pai dele; Paulina (Kiti Mánver), advogada feminista, está decidida a abandonar os tribunais para fugir com seu grande amor; Candela (María Barranco) está à procura de um lugar para se esconder após descobrir que o namorado é, na verdade, um terrorista xiita; e Carlos (Antonio Banderas) está literalmente perdido no meio de todas elas, ao mesmo tempo seduzido por tamanho dinamismo e assustado por tanto poderio feminino.

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Embora essas outras personagens apareçam no decorrer da história e as relações entre elas se tornem uma teia de coincidências, é a não-relação entre Pepa e Ivan que serve como fio da meada para toda a trama. A obra é dividida em dois grandes momentos: primeiro com uma adequação psicológica da protagonista, apresentando-a para o espectador; e depois, a chegada e união progressiva das outras personagens, que se mostram desde o início hilárias e caóticas.

Mulheres à Beira de um Ataque de Nervos aborda uma subjetividade feminina que, por um lado, reivindica a liberdade individual sobre o seu destino, seus corpos e sua sexualidade, mas por outro, mantém a figura das mulheres confinada em um espaço simbólico ainda sustentado pelo pensamento da diferença sexual, pois elas continuam associadas ao amor, à dependência afetiva e ao descontrole emocional quando o relacionamento é rompido, quando é abandonada pelo ser amado, enquanto os homens, pelo contrário, são vistos como mais racionais e seguros de si, dotados de equilíbrio e mais contidos até mesmo quando se desestruturam após o fim de uma relação.

A imagem da mulher feminista, porém, contradiz o comportamento exacerbado das demais mulheres, associando a solidão de uma feminista à dos homens, como se o feminismo extraísse das mulheres o que elas teriam de “mais feminino” e as tornassem “menos mulheres”, como fica claro, por exemplo, com a personagem Paulina, uma advogada feminista retratada como racional, insensível e mal-humorada. Parece que o intuito do diretor era justamente trabalhar com o exagero, não só na forma que as personagens são retratadas, como também em outros elementos da narrativa.

Os elementos cênicos típicos da filmografia do diretor estão presentes, combinando o melodrama à comédia farsesca e flertando constantemente com o absurdo e o nonsense. Também se fazem presentes a brincadeira metalinguística, a personagem obsessiva, a libido desregrada e as diferentes formas de se encarar um relacionamento. Almodóvar abusa de uma paleta variada de cores fortes, com destaque para o vermelho quase sempre associado à protagonista. O filme é um carnaval de estampas, cores, além de cenários e figurinos “cafonas” ou extravagantes.

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No entanto, Mulheres à Beira de um Ataque de Nervos não seria tão divertido se não tivesse um elenco afiado. Carmen Maura (Volver) foi a grande parceira de Almodóvar no início de sua carreira, mas nenhuma destas oportunidades, no entanto, lhe possibilitaram tanto destaque quanto aqui. Além de Maura, brilham Julieta Serrano (Maus Hábitos), María Barranco (As Idades de Lulu), Rossy de Palma (Abraços Partidos) e o então jovem Antonio Banderas (Ata-me).

O tom despreocupado de Pepa em seu diálogo final, e a interrogação sugerida para a cena policial que não se resolveu, são elementos interessantes para criar um juízo de valor positivo no espectador, mas a desaceleração do ritmo ao fim pode dar a impressão de que existia um caminho melhor para o desfecho. É um filme bem realizado e divertido, mas é uma daquelas obras que o público não consegue segurar o desapontamento pelo rumo que as coisas tomaram do meio para o final.

Bom


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