CRÍTICA | One Piece Film: Red

Direção: Gorô Taniguchi
Roteiro: Tsutomu Kuroiwa e Brooklyn El-Omar
Elenco: Mayumi Tanaka, Kazuya Nakai, Akemi Okamura, Ado, entre otros
Origem: Japão
Ano: 2022

Filmes de grandes franquias de anime costumam ter um caminho pedregoso. Apesar de já iniciarem com uma certa vantagem por poderem contar com um certo público garantido, por ser um desvio não-canônico da rota original traçada pela trama principal, têm o dever de serem sem consequências, sem arcos transformadores para o elenco - uma vez que isso está ocorrendo de fato na série em si. Cada franquia tem suas particularidades, naturalmente, então o grau de dificuldade para lidar com esse revés vai de caso a caso. One Piece, obra de Eiichiro Oda, dispensa muitas apresentações, se tratando de um dos animes mais bem sucedidos da história da indústria.

Em parte, um dos grandes atributos de One Piece é a progressão monstruosa de seu universo sem perder a contenção dos seus elementos principais há 25 anos, recém comemorados de publicação. Um feito e tanto que se reflete no carinho dos fãs por personagens que são, mais ou menos, os mesmos durante esse período também. Afinal, One Piece é mais uma história sobre como seu protagonista, Monkey D. Luffy (na dublagem brasileira: Carol Valença), transforma o mundo do que é transformado por ele.

Apesar da tripulação do Bando dos Chapéu de Palha ser nosso fio condutor pela jornada, One Piece Film: Red toma a decisão de fazer da personagem original criada para o filme, Uta (dublada na versão original pela espetacular Ado, e na versão brasileira pela Bianca Alencar), a grande protagonista do longa-metragem.

Para os mais assíduos fãs, é possível identificar uma distinta nova forma dos filmes da franquia desde One Piece: Strong World (2009), onde sempre há um personagem inédito, mas relativamente atrelado a trama principal na medida que isso o torne relevante para o público sem interferir na série em andamento. O que ocorre com a Uta, contudo, é sem precedente. Não só ela se relaciona diretamente com Shanks (Shûichi Ikeda), o personagem mais relevante e misterioso para os fãs, sendo o ponto de partida do sonho do Luffy, como é palpável o carinho e amor que o autor e a equipe de produção tiveram no desenvolvimento da personagem.

Toei Animation

Vagamente canonizada pela própria obra original como uma filha adotiva de Shanks, Uta é apresentada como a grande superstar dos mares de One Piece e inicia o filme num evento inédito que vai apresentar seu rosto para o mundo, tendo como palco as ruínas de um reino antigo de músicos, Elegia. Uma das alternativas para tornar longas de anime mais atraentes é o investimento em movimentos que não poderiam ser feitos de outra forma, como flertar com gêneros e impor condições improváveis para seu elenco. Sendo assim, One Piece Film: Red une inúmeros personagens amados numa obra musical. E aqui a música desempenha não só um papel cosmético, mas também se comunica com o grande conflito de Uta, sua ânsia por se conectar com o mundo. Ser capaz de trazer felicidade por meio da sua canção não é apenas uma filosofia açucarada, mas também um imperativo em seu coração para expiar a culpa por acontecimentos do passado.

A própria ordem das músicas cantadas, todas composições interessantíssimas em sua versão original (e que a adaptação brasileira fez bonito também, diga-se de passagem), traça o arco de esperanças, ressentimentos e desilusões transcorridos pela protagonista. Sua relação de quase irmã do Luffy é rapidamente convincente e leva o público a sentir o mesmo carinho por ela através dos olhos do personagem. Quando as primeiras peças do filme foram divulgadas, houve muito ceticismo acerca da relevância do Shanks para a história, afinal seu encontro com Luffy é um dos momentos mais aguardados da série. Dessa forma, como ele participaria da trama? As soluções encontradas pelo longa para conectar todas essas pontas são razoáveis. Se pensarmos demais, há inconsistências, mas os movimentos fundamentais de One Piece Film: Red estão mais interessados no valor emocional do que está ocorrendo com os indivíduos, portanto, é fácil ignorar as arestas mais grosseiras no quadro geral.

Como um filme de ação, a necessidade de inúmeras sequências de luta sem interrupção acaba, curiosamente, travando o ritmo geral de uma história já bem focada nos sentimentos em jogo. Junta-se isso com um valor de produção pouco coeso, com diversos trechos de animação pouco sofisticados para a condição de longa-metragem, e o resultado acaba adicionando pouco ou quase nada. Soa mais como um seguimento protocolar do que uma necessidade dramática.

Toei Animation

Eventualmente, o clímax envolvendo ação trás certos caprichos e fanservices para os fãs de longa data, mas o apanho geral é muito mais reverente a toda transformação que Uta passa para lidar com o mundo de forma concreta, apesar dos sonhos altos que projeta por meio de sua arte. Como ela diz em sua canção mais melancólica:

“O mundo continua.”

No fim, One Piece Film: Red é uma produção bem agradável para a plateia já cativa, mas também tem elementos suficientes para se valer pelo seu próprio charme com um novo público.

Bom


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