CRÍTICA | Pecados de Guerra

Direção: Brian De Palma
Roteiro: David Rabe
Elenco: Michael J. Fox, Sean Penn, Don Harvey, John C. Reilly, John Leguizamo, entre outros
Origem: EUA
Ano: 1989

“Só porque podemos morrer a qualquer hora, agem como se pudessem fazer qualquer coisa. E não importa o quê. Mas é justamente o contrário. É o oposto disso. Por podermos morrer a qualquer hora, devíamos ter cuidado com o que fazemos. Talvez importe mais. Talvez seja mais importante do que pensamos.”

A fala do recruta Eriksson, interpretado por Michael J. Fox (De Volta Para o Futuro), representa bem a mensagem que Pecados de Guerra (Casualties of War) pretende deixar. Obra quase esquecida na longa filmografia de Brian De Palma (Os Intocáveis), o longa funciona quase como um manifesto pacifista, denunciando as atrocidades que ocorrem em uma guerra.

Dentro desse gênero, a maioria dos filmes hollywoodianos - pelo menos aqueles que conseguem se destacar em termos de público e crítica - apresenta uma visão extremamente patriota dos eventos. Acompanhamos soldados americanos realizando proezas ou salvando milhares de vidas. É uma imagem trágica, porém, bonita: um jovem americano sacrifica a vida em prol de um bem maior, a sobrevivência de seus companheiros ou a honra de seu país. Normalmente, esses personagens não passam por dilemas morais ou comentem erros fatais. E "o outro lado" pouco nos é mostrado.

Columbia Pictures

De Palma consegue fugir de grande parte desses estereótipos e clichês. Utilizando um fato real – publicado na Revista New Yorker, em 1969 – o cineasta investiga traumas e memórias da guerra. Na trama, acompanhamos um grupo de soldados americanos durante a Guerra do Vietnã. Após a morte inesperada de um deles, como uma forma de liberar a raiva e a frustação que estão sentindo, eles decidem sequestrar uma garota vietnamita para estupra-la. Liderados pelo Sargento Tony Meserve (Sean Penn), eles levam a infame ideia a diante. Porém, o jovem recruta Eriksson se posiciona contra e decide denunciar o crime.

Desde a primeira cena, o olhar voyeur de De Palma chama a atenção. Dentre uma multidão no metrô, a história de Eriksson parece saltar aos olhos e, sem a necessidade de muitas explicações, entramos nas suas memórias. Ainda na posição de voyeur, testemunhamos toda a história através da perspectiva do protagonista. Essa impressão é confirmada com o uso da técnica de split focus. Ao manter o primeiro e o segundo plano nítidos, o diretor nos mostra acontecimentos importantíssimos ocorrendo bem às costas de Eriksson, mas que fogem completamente da sua visão. Temos a certeza de que, assim como ele não consegue controlar a realidade ao seu redor, a sua perspectiva é bastante limitada.

É interessante notar também o uso dessa mesma técnica em outros momentos do filme, ressaltando, de forma visual, a própria separação existente entre o grupo. No começo, a tropa parece existir como uma unidade inseparável. Vemos planos abertos que mostram o exército americano como algo homogêneo e seus homens como quase indistintos. Após o sequestro da jovem vietnamita e o início do conflito, os planos fecham e a divisão visual entre os personagens é notável.

Inegavelmente, as cenas envolvendo a jovem sequestrada, que mais tarde descobrimos se chamar Oahn (Thuy Thu Le), são extremamente fortes e violentas, desde o momento do estupro até o seu destino trágico. É horrível ver a violência e o abuso sofridos por uma mulher serem expostos de tal forma no cinema. É mais horrível ainda saber que isso se repete na vida real. Ainda assim, a sequência do desfecho de Oahn é muito bem pesada e extremamente simbólica. O desespero do protagonista, ao apenas observar sem ser capaz de impedir nada, se reflete no público, mais uma vez na posição passiva de um voyeur em toda a narrativa.

Columbia Pictures

Sem dúvida, o olhar de De Palma sobre a guerra é intimista e se afasta das grandes produções que focam nas bombas e nos feitos heroicos. O diretor explora as contradições, a falta de sentido e as baixas – pessoais e morais – de uma guerra. A crítica está ali, escancarada para quem quiser ver. Mesmo assim, essa posição divergente tem seus limites. O desfecho agridoce e esperançoso mostra que o cineasta ainda acredita em um certo senso de justiça vindo de seu país natal. Como se, com a renúncia do presidente Nixon e o fim daquela guerra, fosse possível esperar que tudo fique para trás e seja esquecido! A própria "vítima" fala isso para o ex-soldado: “Teve um pesadelo, não foi? Agora acabou, eu acho”.

Contudo, a fala de um dos personagens continua reverberando na cabeça do protagonista e na nossa também:

“Mesmo se forem condenados, não cumprirão pena. Sairão da prisão antes que possa piscar. Se eu fosse um deles, ficaria zangado. Eu me vingaria!”

Ótimo

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