CRÍTICA | Blue Jean

Direção: Georgia Oakley
Roteiro: Georgia Oakley
Elenco: Rosy McEwen, Kerrie Hayes, Lucy Halliday, entre outros
Origem: Reino Unido
Ano: 2022

Um dos grandes méritos na execução de Blue Jean, filme britânico escrito e dirigido por Georgia Oakley (Bored), está na perturbação contida de Rosy McEwen (O Alienista) como a personagem-título. Isso porque a jovem professora de educação física vive uma vida dupla, calculando seus movimentos e falas, equilibrada numa frágil neutralidade entre seu trabalho e seus afetos, passando noites bebendo e jogando sinuca com seu grupo de amigas lésbicas e sua amante. É imperativo para ela que ambos os mundos não se cruzem de modo algum, pois o período histórico no qual a história se passa - 1988 na Inglaterra - é de um contexto profundamente conservador e hostil a pessoas queer. Com o governo liderado pela então primeira-ministra Margaret Tatcher usando recursos supostamente constitucionais para mobilizar campanhas agressivas ao modo de vida LGBTQ, a postura passiva de Jean vai ser posta a prova.

Ser antagonizada pelo mundo meramente por sua existência é uma experiência que deixa marcas profundas mesmo na pessoa mais belicosa e confiante de si. É um estado de alerta não apenas constante, mas perpétuo, que muda a forma como se gesticula, se expressa, toma conta da direção do olhar e do toque das mãos. Há os comentários ao redor, os outdoors promovendo pânico moral, rádios e programas de televisão promovendo incansáveis os desígnios sacros dos papéis de gênero de homem e mulher. Não há sossego no mundo heteronormativo para formas dissonantes dessa existência.

O ciclo de amigas de Jean é partidário de um confronto direto contra essa lógica de repressão, inclusive sua namorada Viv (Kerrie Hayes). Já Jean encontra uma posição que não é nada cômoda, mas definitivamente resignada em sua dinâmica social, vendo todas as restrições das quais é refém como um mal supostamente tolerável. Assim, ela faz vista grossa a piadas homofóbicas de alunas, não discute política, precisa de uma gravação de meditação para conseguir dormir em paz com seu amor. É uma mentira azul que ela vestiu muito bem.

Kleio Films/BBC Films

A escolha de gravar toda esse intimidade e afetos tolidos em película 16mm não só fortalece a imersão histórica, mas também tempera toda imagem com uma melancolia de passados rompidos, de caminhos sem retorno. Jean sente que não há muito mais jornada para ela se descobrir uma militante da causa, segura e pronta pra guerrear pelos seus iguais. Mas vê uma rota diferente quando uma aluna nova de sua escola descobre sobre sua vida dupla, sobre suas noites.

Não é apenas um conflito geracional que se segue. É também uma ruptura de pessoas que já foram quebradas e coladas juntas de novo com uma juventude que desabrocha timida, mas contumaz, nesse contexto de violência cultural, de censura e punição. A frustração de Jean é a incapacidade de criar essas pontes de maneira direta, de ir ao resgate de quem está na posição que ela esteve um dia.

Blue Jean é um filme sóbrio, mas nem por isso menos trágico. As tristezas e satisfações ocorrem numa esfera muito íntima, quase pequena demais para que o enquadramento capture, porém às vezes também grande o bastante para ser possível compartilhar com os personagens esses sentimentos, de forma que mesmo poder verbalizar abertamente "sou uma lésbica" soa como a maior das conquistas.

Bom


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