CRÍTICA | On the Rocks

Direção: Sofia Coppola
Roteiro: Sofia Coppola
Elenco: Rashida Jones, Bill Murray, Marlon Wayans, Jessica Henwick, Jenny Slate, entre outros
Origem: EUA
Ano: 2020


Os dilemas da classe média/alta norte-americana sempre foram tema da filmografia de Sofia Coppola (Encontros e Desencontros), afinal, sendo filha do "poderoso chefão" Francis Ford Coppola (Drácula de Bram Stoker), essa é a realidade que lhe é familiar. Não há problema algum em retratar essa visão na grande tela, ainda que obras com mensagens sociais mais interessantes e que dão voz às minorias tenham ganhado o espaço devido na indústria cinematográfica atualmente.

Seu mais recente trabalho, On the Rocks (2020), no entanto, soa diferente de outros longas dirigidos e roteirizados por Sofia. Enquanto se afasta do frescor visual e narrativo que lhe foram habituais por anos, a cineasta abraça uma premissa deveras antiquada - por vezes machista - que parece descolada da realidade atual.

Laura (Rashida Jones) é uma mãe de família, escritora, que vive uma crise criativa quando vê seu tempo livre limitado pela rotina da criação das duas filhas enquanto seu marido, Dean (Marlon Wayans), está focado no crescimento de sua própria empresa. Ao perceber a constante ausência do esposo em casa, Laura passa a suspeitar de que ele a esteja traindo com a colega de equipe, Fiona (Jessica Henwick). É então que seu pai, Felix (Bill Murray), decide ajuda-la a descobrir a verdade e passa a investigar os passos do genro com afinco.

Como deixa claro a sinopse acima, a trama é batida. On the Rocks limita-se a juntar uma série de situações potencialmente cômicas entre pai e filha na busca por flagrar o marido em uma situação comprometedora, mas sem nunca apresentar consequências que poderiam ser relevantes para a discussão. Os atos não têm peso e não trazem desdobramentos (especialmente no desfecho), nos fazendo perguntar o motivo de termos assistido ao filme.

A24

As respostas para essa pergunta são duas: Rashida Jones (Parks and Recreation) e Bill Murray (Os Excêntricos Tenenbaums). A primeira segura o protagonismo da obra com seu habitual carisma, mesmo sabotada pelo roteiro que não lhe dá chances reais de brilhar - e levando em conta que Rashida é uma roteirista de mão cheia, é uma pena que isso tenha acontecido, mesmo o texto não sendo dela. A atriz consegue passar uma sensação de "pessoa comum" que é facilmente identificável ao espectador.

Murray, por sua vez, é magnético em tela. Quando o ator entra em cena o filme muda de patamar, tamanha a presença exercida pelo ator. Felix é um personagem dúbio, repleto de amor e afeto pela filha e pelas netas, mas claramente cheio de defeitos no trato com as mulheres e em sua forma de agir em determinadas situações. Murray então vive o personagem no limiar de sua dualidade, mas nunca permitindo que o espectador desgoste dele por completo.

Completam o elenco Marlon Wayans (As Branquelas), em um raro papel não-humorístico e sem afetações, e Jessica Henwick (Problemas Monstruosos), que apesar de aparecer pouco é uma grata surpresa. Considero a atriz um talento em ascensão, por isso é bom vê-la em outros projetos após o fracasso de Punho de Ferro, onde ela era a melhor coisa da série.

Soma-se ao bom elenco a bela cinematografia de Philippe Le Sourd (O Estranho Que Nós Amamos), que retrata Nova York de forma romântica, ainda que o longa não seja um filme do gênero, propriamente dito.

A24

O fato é que On the Rocks não é um filme ruim, apenas está aquém da filmografia de sua realizadora, que sabemos poder entregar muito mais ao espectador. A falta de consequências reais aos personagens ao fim e o machismo vívido em tela incomodam, mas são compreensíveis pois é a vida que a protagonista escolheu para si, sem imposições. E sabemos que toda mulher tem o direito de escolher o que quer para si, mesmo que a opção seja viver em função do marido.

A obra acaba sendo o resumo de seu monólogo inicial, quando Felix afirma que Laura é dele, até que se case. E é isso que o roteiro acaba abordando, a transferência da "posse" de uma mulher de um pai para o marido, algo colocado visualmente e de forma simbólica na troca de relógios em cena.

Percebem o incômodo?

Bom

Comentários