CRÍTICA | Coringa

Direção: Todd Phillips
Roteiro: Todd Phillips e Scott Silver
Elenco: Joaquin Phoenix, Robert De Niro, Zazie Beetz, Frances Conroy, Brett Cullen, entre outros
Origem: EUA / Canadá
Ano: 2019


Violento, performático e, ao mesmo tempo, humano. O novo Coringa (Joker) de Joaquin Phoenix (Você Nunca Esteve Realmente Aqui) traz tudo o que há de mais intenso para contar a história de um dos vilões mais famosos e conturbados da DC Comics

É importante ressaltar que este não é um filme de herói. E muito menos de vilão. O longa de Todd Phillips (Se Beber, Não Case!) segue uma trajetória profunda do reflexo da corrupção da sociedade na vida de um ser humano, capaz de causar perturbação e desconforto do inicio ao fim da projeção, e por mais um bom tempo após deixar o cinema. 

Trata-se de uma obra difícil de ser "digerida", pois lida com temas sensíveis, como abuso, doença mental, bullying e violência física. Todo esse turbilhão de informações molda a mente de um homem que nunca teve esperança, que fora "atropelado" com tudo que há de pior de todos os lados. Em uma sociedade que sempre foi cruel com ele, faz todo o sentido ser cruel de volta. É assim que o Coringa pensa. 

Warner Bros Pictures

O longa apresenta um retrato de um mundo sem salvadores, o que traz mais realismo e identificação a todos nós, já que na vida real não há super-heróis com capa para nos salvar. A perversão e a crueldade são apresentadas ao ponto de alguém ser corrompido, de um jeito que o sujeito só consegue enxergar solução no caos e na barbárie. Trata-se, portanto, da história de um homem sem salvação.

Estamos diante de uma Gotham City de 1981, suja e caótica, jogada aos ratos, à poluição e ao medo. Essa semelhança com muitos aspectos do mundo real incomoda. Uma sociedade que se importa apenas com a classe rica e branca, onde os menos afortunados, os diferentes, as minorias, aqueles que precisam de ajuda, ficam à sua margem, tratados como inválidos ou, como Thomas Wayne (Brett Cullen) cita em determinado momento, como palhaços.

Mesmo ciente de que Arthur Fleck (Phoenix) é um vilão, e sabendo do que ele é capaz, o espectador compreende o que ele passou até chegar onde chegou. Embora não seja justificável, muito disso se dá pela impecável interpretação, física, vocal e psicológica de Joaquin Phoenix. É como se o ator conseguisse colocar o público dentro da insanidade do Coringa, fazendo com que acompanhemos a jornada de um homem se transformando em um monstro. E uma das contradições presentes no filme é a de que, a medida que o protagonista mergulha em suas próprias loucuras, mais confiante e seguro de si ele fica.

Phoenix mostra sua versatilidade habitual, um domínio domínio de cena absurdo, propiciados também graças a construção do personagem, vivo em tela em função da perda de peso do ator e de suas múltiplas e densas nuances. São muitos os momentos em que esperamos o protagonista "explodir", sem que isso aconteça. Em determinados momentos, a ruptura vêm sem aviso prévio.

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Coringa deixa claro que seu protagonista não é alguém deva gerar inspiração ou se glorificar. Muito pelo contrário. O personagem é o resultado de uma sociedade que destrói a tudo e a todos. O roteiro, escrito pelo próprio Todd Phillips ao lado de Scott Silver (O Vencedor), não justifica a violência pela falta de empatia ou por seu fracasso. Na verdade é exatamente o contrário, já que o espectador se sente enojado o bastante para não torcer nem um pouco por ele. Torcemos sim, para que alguém o faça parar antes que o pior aconteça.

Como o longa deixa claro, tanto por seu posicionamento temporal quanto pelo tom empregado, não estamos em uma época de heróis. Só há justiça, talvez, para um grupo exclusivo e privilegiado. E isso aparece de diversas formas, quando vemos um Thomas Wayne que diz querer ajudar as pessoas, mas não liga a mínima para elas, ou mesmo na cafonice do apresentador de talk show Murray Franklin (Robert DeNiro).

No discurso revolucionário se encontra mais uma das tantas facetas deste que, provavelmente, é o filme de quadrinhos mais denso já feito, se é que podemos classificá-lo dessa forma. Coringa é uma apresentação crua e profunda do perverso, por isso traz um aperto no coração ao assisti-lo. O maior problema não é a ideia de um lunático ser engrandecido por seus atos de violência, mas sim por fazermos parte de uma sociedade tão doente e decadente, em que esse lunático acaba sendo usado como um modelo a ser seguido. 

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Excelente

   

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