CRÍTICA | Noites Alienígenas

Direção: Sérgio de Carvalho
Roteiro: Sérgio de Carvalho, Camilo Cavalcanti e Rodolfo Minari
Elenco: Chica Arara, Gabriel Knoxx, Gleici Damaceno, Adanildo Reis, Chico Díaz, Duace, entre outros
Origem: Brasil
Ano: 2022

O longa de drama do diretor Sérgio de Carvalho (O Olhar Que Vem de Dentro) chegou aos cinemas do país contando uma história antes mesmo de sua sessão começar. Noites Alienígenas logra para si o título de primeiro filme da região do acre a ganhar ampla distribuição, tendo entre seus méritos o kikito de ouro de Melhor Filme Brasileiro conquistado no Festival de Gramado. Ainda que se deleite com o louro desta vitória, ela também carrega consigo a amarga realidade da centralização da produção artística no Brasil que renega certas regiões a um ostracismo cultural. Também entre seus pontos altos, contudo, está justamente a habilidade do filme em tornar esta condição desfavorável em parte fundamental dos contornos de sua obra.

Na trama, a vida de três jovens amigos na periferia de Rio Branco experimentando diferentes soluções de escape para as fragilidades de seus ambientes, vulneráveis à violência do crime organizado do sudeste que se entranhou na floresta amazônica. Rivelino (Gabriel Knoxx) é um jovem atravessado pela manifestação das artes em seu corpo, grafitar manifestações extraterrestres, fazer rap sobre seus percalços e escrever numa folha arrancada de caderno palavras doces para a menina que ama. Sandra (Gleici Damasceno), por sua vez, vive este amor com Rivelino enquanto frequenta espaços de hip-hop, pulsando uma consciência de resistência política que não pode ser parada. Ela teve um filho com Paulo (Adanilo Reis), descendente indígena extremamente adoecido por dependência química, que está em seu ponto mais miserável em busca de algum trocado que possa lhe dar mais alguns instantes de torpor.

Apesar da promessa de um realismo fantástico que convide forças espaciais para trazer diplomacia ou arrematar este mundo de vez, o que tem durante a jornada inteira dos personagens é a sensação rasteira de uma terra lodosa puxando-os mais para baixo. É esta fricção entre uma natureza tão violada e uma urbanização tão violenta que encurrala Rivelino e seus amigos em diferentes contextos. O veterano Chico Díaz (Homem Onça) incorpora Alê, um misto de figura paterna para Rivelino e promessa de alternativas para aquela realidade, mas mesmo ele não deixa de ser parte da engrenagem da violência, por mais consciente que seja dessa tragédia e que tente resgatar quem for possível dela.

Com Dominio Filmes/Saci Filmes

A região do Acre, desde sua derradeira anexação no território brasileiro, foi palco de disputas pela riqueza local, de sequestros e abuso de poder vividos pelos seringueiros, de uma política que tudo tira e nada traz. As complicações vividas pelos personagens foram de certa forma escritas em 2011, no livro de autoria do diretor, agora transporta pras telas, mas de certa maneiras são oriundas da própria história daquele mundo.

Há a invasão do crime organizado e do modelo de tráfico do sudeste, que o longa deixa claro, mas também a invasão das igrejas evangélicas, de um sistema religioso que marginaliza ainda mais os povos originários. É sintomático que a resposta que aparece para Paulo na invasão particular da droga do seu corpo seja um retorno à natureza, abraçado pela força rastejante da qual antes fugia. O rastejo de uma cobra engalfinha Paulo em certos momentos, mas não o sufoca, não o trai, abraça-o. Pode agora não ser vista como um diabo cristão que o tenta, mas como um ancião que acalenta.

As opções pela não violência acabam nutrindo mais violência ao final e a periferia de Rio Branco se torna uma prisão complicada demais até para alienígenas que por ventura ali passem em suas naves de luzes caleidoscópicas. E após a noite restará ainda o córrego, o nascer do Sol, o ranger das casas de compensado, mas tudo embalado por um pranto a mais, uma perda a mais.

Como Noites Alienígenas é muito dedicado em apresentar seus personagens, acaba propondo uma resolução quase menos que mínima para contar sua história, deixando ainda assim a desejar principalmente quanto a Sandra, que no corte disponível nos cinemas só alude ao fato de querer ter agência de si, mas sobre ela não se vê quase nada que não seja objeto da história dos outros dois personagens principais. Estes sim vivem um conflito direto e indireto na trama, encarando sob o cano de uma arma as perceptíveis consequências do rompimento em Rio Branco com sua própria estrutura, se tornando uma cidade sequestrada pela interdição do que o resto do planeta quer tirar dela para si.

Bom


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