CRÍTICA | Jackie Brown

Direção: Quentin Tarantino
Roteiro: Quentin Tarantino
Elenco: Pam Grier, Samuel L. Jackson. Robert De Niro, Bridget Fonda, Michael Keaton, Robert Foster, Chris Tucker, entre outros
Origem: EUA
Ano: 1997


Depois que um álbum, um filme ou qualquer outro produto cultural é lançado ao público para apreciação e molda-se um consenso de genialidade sobre seu conteúdo, o autor responsável tem um período de lua de mel para desfrutar dessa sensação, até vir a parte complicada da história: a produção e recepção de sua obra seguinte. No cinema dos anos 90, o fenômeno Quentin Tarantino (Era Uma Vez em... Hollywood) é um bom exemplo disso. Com o lançamento de Cães de Aluguel (1992) e Pulp Fiction (1994), a carreira do diretor alavancou de forma absurda, e que viria a ser questionada em seu terceiro longa, Jackie Brown (1997).

Tarantino se propôs a adaptar a obra "Rum Punch", de Elmore Leonard, mas com duas mudanças importantíssimas que definiriam seu filme: enquanto no livro a protagonista chama-se Jackie Burke e sua pele é branca; no filme temos Jackie Brown (Pam Grier), uma protagonista negra. Esse contexto é essencial para que o cineasta homenageasse um gênero do cinema norte-americano que movimentou a cena underground e dos direitos civis dos anos 1970, o famigerado blaxploitation. E quem melhor para interpretar Jackie se não Grier, talvez a figura mais icônica desse movimento cinematográfico.

A abertura da produção dura tempo suficiente para escutarmos a canção de "Across 110th Street", de Bobby Womack - prestem atenção na letra - e nos familiarizarmos com a feição serena de Jackie, uma aeromoça de 44 anos que trabalha na pior companhia aérea do mundo. Em seguida, o filme corta para a apresentação de novos personagens, como o traficante de armas Ordell Robbie (Samuel L. Jackson) que conversa com seu amigo Louis Gara (Robert De Niro), que saiu recentemente da prisão. Em cena, a viciada em cocaína Melanie (Bridget Fonda), uma das namoradas de Ordell, escuta a conversa que leva à notícia de que um dos capangas do amante foi preso, e ele precisa cuidar disso.

Foto: Imagem Filmes

Outro personagem fundamental para a trama é o agente de fiança Max Cherry (Robert Forster), contratado por Ordell duas vezes na história - sendo umas delas para livrar Jackie depois que a polícia descobre a ligação da aeromoça com o traficante. A trama costura todas essas ligações nos primeiros 50 minutos, contextualizando o trabalho paralelo que a protagonista realiza para o traficante ao trazer dinheiro do México para o homem e ganhar um "por fora" dos míseros 16 mil arrecadados por ano na companhia aérea.

Na mira dos policiais, Jackie precisa encontrar uma saída para não ser presa novamente e perder seu emprego, assim como também não pode entregar Ordell e correr o risco de se tornar mais uma "funcionária" morta pelo bandido. Com pouco tempo para resolver essa complicada situação, a aeromoça arquiteta um plano para sobreviver, recebendo ajuda fundamental de Max, que se torna um admirador e a única pessoa em quem poderá confiar.

É difícil entender o motivo de Jackie Brown ter sido mal recepcionado pela crítica e pelo público na ocasião, mas muito pode ser explicado a partir da expectativa que foi criada à época, após o sucesso absoluto dos dois filmes anteriores de Tarantino. Mesmo possuindo elementos que se tornaram a base de suas produções - diálogos bem elaborados e originais, personagens excêntricos e carismáticos, direção e montagem inspiradíssimas, exposição de diferentes pontos de vista -, a produção apresenta uma proposta mais "pé no chão", se comparada com seus predecessores, ou seja, com menos violência estilizada e mais sensibilidade no desenvolvimento dos personagens.

No entanto, a obra é tão inteligente quanto a adorável protagonista interpretada por Grier, que nos emociona nos poucos momentos em que se mostra mais vulnerável, e arranca suspiros de admiração com seu charme e intensa determinação em dar a volta por cima. Em um dos melhores diálogos do filme, Jackie e Max falam sobre como lidam com o envelhecimento, chamando a atenção para outro trunfo do longa, que concentra os personagens principais em uma faixa etária acima dos 40 anos, algo difícil de ver em Hollywood.

Foto: Imagem Filmes

Outra marca registrada do diretor, fundamental para a história aqui, é a utilização da trilha sonora. Usando e abusando de referências à outras do cinema blaxploitation - como Coffy: Em Busca da Vingança (1973), protagonizado pela própria Pam Grier -, a seleção das canções escutadas em Jackie Brown é certeira em dialogar com o estado de espírito dos personagens, do pequeno crush de Max ouvindo The Delfonics enquanto lembra da aeromoça, até a música de Bobby Womack já citada, que apresenta uma breve metáfora da situação de Brown ao lidar com seus problemas.

Além de mostrar uma faceta mais madura de Tarantino, Jackie Brown é empoderador com sua protagonista feminina, negra, acima dos 44 anos, solteira e em busca de uma situação melhor de vida. O plano para lidar com Ordell e a polícia é reflexo da sagacidade da personagem e da qualidade do roteiro adaptado pelo roteirista/cineasta, subvertendo o rumo da narrativa com plot twists inteligentes e que valorizam as qualidades/defeitos que conhecemos dos personagens.

Se as ações de Jackie são justificáveis ou não, fica a cargo de cada um julgar. Mas não há como negar que temos aqui uma das protagonistas femininas mais interessantes dos anos 1990.

Excelente

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