CRÍTICA | Boyhood: Da Infância à Juventude

Direção: Richard Linklater
Roteiro: Richard Linklater
Elenco: Ellar Coltrane, Patricia Arquette, Ethan Hawke, entre outros
Origem: EUA
Ano: 2014


Não me recordo de um projeto tão ambicioso - no que diz respeito a longevidade - do que este de Richard Linklater (Escola de Rock). Sei que já houveram trabalhos documentais similares, mas nunca havia ouvido falar de um diretor que filmou sua obra por 12 anos, 1 semana ao ano, acompanhando o crescimento de um garotinho desde a infância até sua entrada na fase adulta. Por outro lado, é gratificante constatar que o cineasta abre mão do ego, não tenta ser desbravador ou pioneiro na forma de fazer cinema. Linklater conta "apenas" uma história sobre a vida, de maneira aparentemente simples e repleta de humanidade, como já fizera em outras oportunidades.

Na sua trilogia do "Antes" (do Amanhecer, do Pôr do Sol, da Meia-Noite), o diretor já retratava o estudo do tempo na relação do casal Jesse e Celine, filmando uma sequência a cada 9 anos, mostrando como o amadurecimento e as experiências de cada um influenciavam nos pensamentos e escolhas da vida adulta, além de nos presentear com um romance tão belo. Em Boyhood, acontece o mesmo, entretanto acompanhamos a trajetória de Mason (Ellar Coltrane), seu crescimento e descobertas, aprendendo a viver com base naqueles que o cercam, seja na admiração ou na falta de identificação. Momentos banais - mas de imenso significado - da infância de todos nós.

É claro que o retrato em tela carrega muito da cultura norte-americana e seus costumes, como o patriotismo, a admiração pelo exército, o porte de arma de fogo em residências. Afinal, estamos falando de uma narrativa que se passa no sul dos EUA. Isso em nada diminui a nossa identificação com a obra ou com os personagens, muito em função da perspicácia de Linklater em focar momentos chave da descoberta de todos nós como seres humanos, mas também pelo bom trabalho de Coltrane, que convence em todas as cenas que participa, mesmo quando muito novo.

Patricia Arquette (Amor à Queima-Roupa) e Ethan Hawke (Grandes Esperanças) também foram escolhas inspiradas, se despindo de qualquer vaidade, visto que envelheceram 12 anos em pouco menos de 3 horas, diante dos nossos olhos. A primeira, uma mãe dedicada, que insiste em errar nas escolhas amorosas, mas que nunca abre mão do cuidado com os filhos. O segundo, um homem aparentemente perdido no mundo que, mesmo que pouco presente na vida dos filhos, é um bom pai. Suas trajetórias e nuances também são muito interessantes de acompanhar durante o filme, em parte pela sensação de realidade trazida quando se evita clichês óbvios.

Vale destacar também os aspectos técnicos de Boyhood, como por exemplo a forma como Linklater pontua os anos através da trilha sonora (o filme abre com a deliciosa "Yellow", da banda Coldplay) e de referências à cultura pop, como o desenho que Mason assiste na TV (Dragon Ball Z), sua irmã cantando Britney Spears, ou mesmo quando ocorre o lançamento aguardado de um dos livros do Harry Potter. Como frisei antes, experiências banais, mas que marcam a infância de qualquer um.

Contando ainda com cenas belíssimas, marcadas por longos planos e caminhadas cheias de diálogos inspirados entre os personagens (algo característico na filmografia do diretor), fica claro que esse é um dos grandes trabalhos do ano, e muito provavelmente será lembrado por um bom tempo na galeria dos grandes filmes já feitos. Exagero? Só o tempo dirá. Mas posso afirmar que assistir Boyhood é uma experiência gratificante. Não aproveitamos o filme, é como se ele nos aproveitasse - diria uma personagem do longa, em determinado momento.

Ótimo

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