CRÍTICA | Em Ritmo de Fuga


Amigos, se esse filme não deixar vocês com vontade de dirigir a 100km/h ou, pelo menos, com a adrenalina lá em cima é porque não assistiram direito. Dirigido por Edgar Wright (Scott Pilgrim Contra o Mundo), Em Ritmo de Fuga (Baby Driver) é uma junção de um longa de ação dos anos 90, com romance dos anos 60 e uma trilha sonora fantástica e atemporal. 

A primeira cena de fuga já conquista o espectador, com um assalto a banco seguido por uma veloz perseguição de carros que faz qualquer um pular da cadeira do cinema. Ao som de Bellbottoms (The Jon Spencer Blues Explosion), Edgar Wright utiliza de uma montagem dinâmica, com cortes rápidos e coreografados no ritmo de cada canção. Na verdade, todas as cenas são cuidadosamente coreogradas. O diretor, que é um grande fã de ação e sempre deixou isso claro em seus longas, já afirmou que “a música literalmente dirige o filme”, e que escreveu o roteiro apenas quando cada uma tinha sido exatamente escolhida. Segundo ele, se a música tinha cinco minutos, a cena tinha cinco páginas. Ele utiliza as composições como autoras da narrativa, sincronizando movimentos, diálogos e situações com a trilha sonora, de forma espetacular.


Em texto recente do Cinéfilo em Série nesse mês, a crítica Ana Döring escreveu que “quando se pensa em como a música pode ajudar a contar a história, as possibilidades são inúmeras”, e é exatamente o que Em Ritmo de Fuga faz: entrega expectativas diferentes e inovadoras, traduzindo o que acontece com os sentimentos do personagem. Wright certamente gosta de surpreender o público com seus filmes e a música sempre foi algo de grande importância para ele atingir isso, como em Scott Pilgrim Contra o Mundo, que agradou ouvidos dos refinados quando as direções das músicas também permeavam a narrativa. Trata-se de uma característica marcante do diretor, assim como outros elementos como as sátiras a obras de gênero, cenas com vozes de personagens dubladas e vários easter eggs.

E se você acha que Baby Driver é "só mais um longa 'popzinho' com carros", que conquista só pela trilha sonora, está bem enganado. Nem só de cenas de ação eletrizantes se constrói um bom filme. Nesse caso, temos um roteiro bem estruturado, com soluções inteligentes e um contexto compreensível, no qual entendemos rapidamente a personalidade e as nuances de cada personagem, sem precisar de explicações muito demoradas. Conseguimos perceber a importância da música para o protagonista, porquê ele dirige tão bem e é tão calado. Nem sempre diálogos são necessários, a própria imagem deixa claro as circunstâncias, isso é cinema. Os momentos de tensão ficam subentendidos através de diálogos e composições de cena e as transições ocorrem fluidamente através de objetos ou outros recursos narrativos, dando a sensação de uma passagem de cena espontânea, que ocorre de forma simples, porém inteligente.

Já deixei claro que o longa é bem dirigido, mas o quão interessante é a história? Bom, o protagonista, Baby (Ansel Elgort), é um motorista jovem e talentoso de uma gangue de assaltantes. Um personagem humano e marcante, que gera empatia imediata com o espectador, pois tem uma deficiência auditiva que o faz ouvir música o tempo todo para abazar o zumbido em seus ouvidos. Ele quer sair dessa vida de crimes, especialmente após conhecer a garota dos seus sonhos, Deborah (Lily James), de uma forma bem “romance clássico” (conquistado e não apressado), já que ela mesmo parece ter saído de um. Mas, mesmo depois de saldar seu débito com o chefe Doc (Kevin Spacey), Baby percebe que está mais envolvido com a gangue do que imaginava.


A obra é uma espécie de “relação com o absurdo”, o que não é necessariamente ruim, porque explica o “surreal” de forma crível. Sua premissa é comum, mas é contada de forma surpreendente. Acredito que esse era o objetivo do diretor, fazer o espectador dizer para si mesmo: “Não, não é possível que isso está acontecendo”.

Em Ritmo de Fuga também se mostra bem-humorado, com momentos sarcásticos e piadas inacreditáveis, que surgem, na maioria das vezes do bandido maníaco Bats (Jamie Foxx). Há suspense e tensão, fomentando a dúvida sobre o que vai acontecer em seu desfecho. No entanto, não seria estranho afirmar que é um filme sobre amor. O romance é muito bem construído com a montagem, os movimentos de câmera e diálogos que realmente parecem terem sido tirados de romances clássicos, uma referência inclusive aos sonhos de Baby.

Porém, nem tudo é boa música. O desfecho de Baby Driver se mostra cansativo por ser prolongado demais. Cada vez que o espectador acha que acabou, vem outra cena de ação, mais tiros, mais perseguição de carros, mais confusão. Outro aspecto que me incomodou bastante foi o fato de só haver duas personagens femininas relevantes, e uma delas ser apenas o rostinho bonito, na maior parte do tempo. Durante quase todo filme, Debbie serve apenas para ser o par romântico de Baby.

Mesmo com os deslizes, entendo que trata-se de um dos melhores filmes do ano, até agora. É emocionante, vibrante e tem uma trilha sonora que você vai querer ouvir assim que sair do cinema. Ela vai ficar na sua cabeça por um bom tempo, assim como ficou na de Baby.

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