CRÍTICA | Bingo: O Rei das Manhãs

Direção: Daniel Rezende
Roteiro: Luiz Bolognesi
Elenco: Vladimir Brichta, Leandra Leal, Emanuelle Araújo, Tainá Müller, Domingos Montagner, entre outros
Origem: Brasil
Ano: 2017


Bozo. Grande atração infantil originada nos EUA, por Alan Livingston, um produtor musical que fez sob o selo da Capitol Records em 1946 uma coletânea de discos com histórias infantis e livros ilustrativos com o personagem. Os álbuns foram bem populares e o palhaço virou mascote da gravadora. Em 1949, Bozo fazia sua primeira aparição na televisão, virando um fenômeno de propaganda e originando até uma série de cartoons. Com todo o sucesso, a marca Bozo passou a viver de licenciamento, gerando diversas versões do personagem pelo mundo.

Em terras tupiniquins, Silvio Santos apadrinhou o personagem e teve a colaboração de vários artistas que interpretaram o palhaço. A versão mais lembrada é a de Wandeko Pipoka, mas entre tantos outros, Arlindo Barreto foi quem contou a uma revista como era sua experiência, sem poder revelar que era, de fato, o personagem. E é na história de Barreto, que Bingo: O Rei das Manhãs se baseia.

Augusto Mendes (Vladimir Brichta) é um ator de pornochanchadas, gênero prolifico que imperou durante duas décadas em nosso país como o principal tipo de produção cinematográfica lançada. Augusto tenta fazer algo diferente e, para isso, vai fazer testes em emissoras de TV para qualquer outra produção, mas sem sucesso. Ao tomar conhecimento de uma grande procura para uma nova atração, ele resolve fazer o teste seguindo o script de sua diretora linha dura Lúcia (Leandra Leal)., porém, quando resolve improvisar, com termos que só podem ser entendidos em nossa língua, é que ele começa a se tornar relevante.

Crédito: Warner Bros

Uma das cenas a ficar no nosso imaginário é o "treinamento" que Augusto passa a receber para se tornar um palhaço de verdade, sob a tutoria de um palhaço chamado Aparício, interpretado por Domingos Montagner (De Onde Eu Te Vejo) em um dos últimos trabalhos de sua carreira. Domingos, que era palhaço antes de seguir a carreira de ator, auxilia como pode Brichta e faz um papel de tutor eficiente, digno de se tirar o chapéu, por assim dizer.

Se Montagner faz um bom papel, Brichta (Real Beleza) não faz menos. Sabe ser comedido, mesmo deixando sua veia cômica transparecer muito mais que a veia dramática. E mesmo nos momentos dramáticos, sua atuação é intensa, algo como quebrar uma tela de TV com um soco e ficar desacordado, ensanguentado, ou mesmo cheirar cocaína antes de gravar o programa e, no meio dele, um filete de sangue escorrer pelo seu nariz.

Leandra Leal (O Lobo Atrás da Porta), por sua vez, vive uma diretora linha dura, religiosa fervorosa e que é veemente contra a vida de abusos e excessos por parte de Augusto, tentando fazer com que ele siga os roteiros forçadamente e não dando espaço a qualquer tipo de vazão para que ele possa mostrar a que veio. Uma das melhores cenas da obra, ainda que esteja apenas na imaginação do protagonista, é quando o mesmo é capaz de fazer até o mais ranzinza dar, ao menos, uma gargalhada.

Uma surpresa que acho que deixará muitos de queixo caído é a participação de Emanuelle Araújo (O Pai, Ó) como Gretchen, a eterna "Rainha do Bumbum". Nesse contexto o filme faz uma crítica que só os que viveram a década de 80 perceberão: a qualidade (ou a falta dela) de programas matinais da TV brasileira. Não é preciso ir muito longe, basta lembrar da "Rainha dos Baixinhos", Xuxa, usando roupas de gosto duvidoso; Chacrinha atirando bacalhau na plateia; o próprio Silvio Santos jogando aviõezinhos de dinheiro, ou, mais recentemente, Yudi e o famigerado "Playstation", Maísa Silva e suas zoações, e por aí vai.

Crédito: Warner Bros

Nesse ponto, a direção de arte é fantástica, já que o cenário do programa foi reconstruído quase que em sua totalidade, com as arquibancadas típicas, o letreiro rodeado de lâmpadas fluorescentes e com as letras cheias de cores bem chamativas. O figurino, mesmo tendo sua cores trocadas (afinal, o longa se chama Bingo justamente por não obter os direitos da marca Bozo), é uma fiel homenagem ao icônico personagem, com sua peruca gigantesca e bufante.

A montagem é bem eficiente, inserindo vez ou outra os defeitos característicos da televisão oitentista, como chiados, zumbidos e "fantasmas", algo comum na época e que traz um aspecto datado que condiz com a obra. Nesse quesito o filme não tinha como falhar, já que trata-se do primeiro longa-metragem de Daniel Rezende, montador indicado ao Oscar por seu trabalho em Cidade de Deus e que trabalhou com Terrence Malick em A Árvore da Vida.

Soma-se a isso a excelente composição sonora, que usa a sonorização do programa para ajudar a compor o ambiente. A trilham, por sua vez, resgata o clima oitentista da produção com clássicos como "Conga La Conga".

Bingo: O Rei das Manhãs é extremamente nostálgico e certamente fará adultos entre seus 35 e 40 anos resgatarem memórias adoradas da infância. Aos mais jovens a identificação não será diferente, visto que muita coisa ainda não mudou na TV brasileira. Trata-se de um filme surpreendente, já que pouco se conhecia a respeito Arlindo Barreto e é interessante enxergarmos que os intérpretes de ídolos infantis também possuem um "lado B". Ajuda a humanizar essas personas adoradas, diminuindo o misticismo em torno delas. Um dos melhores filmes nacionais dos últimos anos.

Ótimo

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