CRÍTICA | Os Iniciados

Direção: John Trengove
Roteiro: John Trengove, Malusi Bengu e Thando Mgqolozana
Elenco: Nakhane Touré, Bongile Mantsai, Niza Jay, entre outros
Origem: África do Sul / Alemanha / Holanda / França
Ano: 2017


Lidar com a transição da adolescência para a vida adulta nem sempre é fácil. Debater sobre sexualidade, os impactos que ela causa na personalidade humana e como o tema é, ou deveria ser , tratado pela sociedade é uma tarefa difícil. Nesse contexto surge Os Iniciados (Inxeba), com uma abordagem ácida e impactante. Obra dirigida pelo estreante em longas-metragens John Trengove e representante sul-africano na corrida por uma vaga na categoria de melhor filme estrangeiro no Oscar 2018.

A trama se passa em Cabo Oriental, na África do Sul, onde somos apresentados a Xolani (Nakhane Touré), um operário de Queenstown que se ausenta do trabalho e viaja para as montanhas rurais, juntamente de trabalhadores de sua comunidade, para ajudá-lo nos rituais de Xhosa, que consiste em realizar uma circuncisão sem anestesia em um grupo de adolescentes para que estes ingressem na vida adulta. Os jovens ficam acampados na montanha durante a recuperação e precisam passar por provações, enquanto aprendem os códigos masculinos da cultura Xhosi. No entanto, Kwanda (Niza Jay Ncoyini), um dos iniciados, questiona os métodos empregados e coloca em dúvida a validade e a eficácia de tais práticas, batendo de frente com seus colegas e os praticantes do ritual. Além disso, questiona também o relacionamento que Xolani mantem em segredo com Vija (Bongile Mantsai), outro cuidador, causando não apenas uma interrupção brusca das tradições, mas também um grande desafio aos envolvidos, que precisam lidar com a descoberta da homossexualidade perante todos. numa jornada de autoaceitação.

Foto: Zeta Filmes

Uma vez posta essa abordagem, o espectador passa a se perguntar: o que é ser homem na comunidade Xhosa? Quais as pressões que eles sofrem ao defender a masculinidade? Homem não pode se identificar como homossexual? Como a sociedade lida com todas essas questões? Na medida em que acompanhamos essa jornada e os conflitos internos pelos quais passam Xolani e Vija, nos deparamos com um cenário marcado por experiências fortemente reprimidas e oprimidas por uma sociedade conservadora e atrelada às suas tradições. São manifestações personificadas por meio das atitudes de Kwanda, que questiona o comportamento dos dois cuidadores de forma sisuda e atroz. 

Um dos grandes trunfos de Os Iniciados é o de não vitimizar as atitudes de Xolani e Vija, que evidentemente demonstram medo da rejeição e da reprovação social, mas sim de ilustrar a coragem e a capacidade deles de se aceitarem como são, e de ir até o fim com o que acreditam, mesmo contra o sistema vigente. Uma mensagem que é passada de forma espontânea e cheia de personalidade ao espectador.

Os recursos técnicos empregados na obra também chamam a atenção, ajudando a contar a história de uma forma que soe não apenas como um alerta, mas como uma mobilização de classes, um incentivo na questão de apoio às minorias e repúdio ao preconceito. A câmera colada ao rosto dos personagens, aliada a uma fotografia com tons acinzentados, estabelecem um contraste que choca o público, dando ênfase aos discursos pulsantes e o emprego de meios bárbaros, mas também chamando atenção pelo embate do conservadorismo e a opressão existente na comunidade Xhosa. Ponto para a direção de John Trengove, que soube de forma competente abordar temas que são recorrentes no mundo, inclusive na sociedade brasileira, muitas vezes intolerante e repleta de preconceitos.

Foto: Zeta Filmes

O elenco é outra força do longa, apresentando consistência e transmitindo uma naturalidade essencial nesse tipo de história. Vale o destaque para Niza Jay Ncoyini, que no papel de Kwanda consegue ser o fio condutor da narrativa, o personagem que provoca os conflitos e desencadeia os questionamentos que serão abordados ao longo de todo o filme. Uma missão árdua, mas desenvolvida com competência pelo jovem ator.

Os Iniciados já foi agraciado com com 17 prêmios internacionais, tendo sido exibido no Festival de Berlim, e também em Sundance. Fortíssimo candidato a uma das cinco vagas ao Oscar de melhor filme estrangeiro. Se ele conseguirá? Descobriremos em breve.

Ótimo

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