CRÍTICA | Glória Feita de Sangue

Direção: Stanley Kubrick
Roteiro: Stanley Kubrick, Calder Willingham e Jim Thompson
Elenco: Kirk Douglas, Ralph Meeker, Adolphe Menjou, Christiane Kubrick, entre outros
Origem: EUA
Ano: 1957


Não é tarefa fácil enveredar pelo gênero dos filmes de guerra por dois motivos: é muito fácil a trama direcionar o espectador a torcer para algum lado, na velha divisão de heróis e vilões; ou então tornar-se repetitivo e pouco original, dadas as inúmeras histórias disponíveis contando algum fato histórico. Em 1957, porém, surgia uma das obras mais inovadoras e ousadas dessa categoria, nas mãos de um diretor que estava prestes a se tornar um dos nomes mais reverenciados do cinema.

Glória Feita de Sangue (Paths of Glory) baseia-se no livro de Humphrey Cobb, no qual acompanhamos um momento do conflito entre França e Alemanha durante a Primeira Guerra Mundial. Após obter vantagem por um longo período nas trincheiras, o exército francês decide que é hora de uma ofensiva em um ponto determinante e extremamente difícil onde os alemães possuem vantagem: o Formigueiro. Dessa forma, após uma conversa entre dois generais onde uma possível mudança de cargo é a motivação para que essa missão impossível seja levada adiante, uma ordem de cima é enviada para o coronel Dax (Kirk Douglas), que deverá levar seu batalhão de encontro com a morte.

Contrariado com a ordem, Dax e seus homens seguem para a missão e falham miseravelmente como  era esperado. Sem chances de obter avanços e assistindo a queda dos companheiros que tentavam retornar para as trincheiras, muitos dos soldados sequer foram para o campo de batalha, e é neste ponto que a trama se divide. Nessa primeira parte, sentimos o terror da guerra na maravilhosa sequência em que o coronel lidera seus homens tentando chegar até o Formigueiro. Porém, com a derrota, as tropas sofrem com as decisões arbitrárias do General Mireau (George Macready) e três homens são levados à corte marcial francesa, sob acusação de covardia.

Foto: Warner Home Video

A partir desse ponto Glória Feita de Sangue muda de tom. O entrave político de decisões e o tribunal sustentado por uma acusação absurda são reflexos do jogo de poder que permeia o filme desde a cena inicial. Três soldados são escolhidos aleatoriamente para arcar com a desastrosa escolha que o General Mireau optou por assumir em busca de mais uma condecoração, servindo de bodes expiatórios para mostrar que o exército francês tem tudo sob controle e criar um jogo psicológico de submissão com os sobreviventes. Enquanto isso, o coronel Dax (que fora advogado criminalista antes da guerra) e seu idealismo contra a injustiça, perdem a batalha diante daqueles que já haviam decidido o destino dos soldados antes mesmo da instauração do tribunal.

Stanley Kubrick (Laranja Mecânica) é pontual em criar paralelos que explicam as relações de poder e opressão para com os personagens vitimizados. Desde a iluminação do palácio e das festas, a ausência de luz na prisão e nas instalações dos soldados, os ângulos de câmera no tribunal mostrando a amplitude daqueles que acusam, assim como a lente opressora que achata a perspectiva dos acusados. O longa é cheio de detalhes característicos do cineasta, que viriam a se tornar marcar registradas em sua filmografia futura.

Outra construção que determina a moral carregada na obra é a do personagem de Kirk Douglas (Spartacus), um coronel que busca manter seus princípios diante do abuso de poder que sofre e presencia, além dos diálogos afiados com discursos antibelicistas e de total oposição ao patriotismo inflamado pelas guerras. Através da natureza contestadora do protagonista, resta-nos uma fagulha de esperança diante de uma hierarquia onde a morte de soldados não passam de números em busca de méritos desvirtuados pela ganância.

Foto: Warner Home Video

Com Glória Feita de Sangue, Kubrick surge com sua primeira obra-prima. Além de demostrar um domínio técnico admirável, que vai do uso do travelling nas trincheiras acompanhando o desgaste emocional dos soldados aos imersivos enquadramentos que se tornariam sua marca registrada, o diretor não dispensou uma boa dose de acidez, pessimismo e um final extremamente agridoce - condizente com a falsa ilusão de vitória que só a guerra e suas consequências são capazes de proporcionar.

Excelente

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