CRÍTICA | Uma Mulher Alta


Direção: Kantemir Balagov
Roteiro: Kantemir Balagov e Aleksandr Terekhov
Elenco: Viktoria Miroshnichenko, Vasilisa Perelygina, Andrey Bykov, entre outros
Origem: Rússia
Ano: 2019


A Segunda Guerra Mundial foi, sem dúvida, um dos acontecimentos mais impactantes e dolorosos da história da humanidade, que vitimou milhões e deixou muitas cicatrizes, físicas e emocionais. Até quando essas sequelas permanecer vivas naqueles que vivenciaram a tragédia? Encontrar um novo significado para a vida após tamanho trauma é difícil, mas uma escolha. Escolha essa tomada pelas protagonistas de Uma Mulher Alta (Dylda), longa-metragem escolhido pela Rússia para representar o país na corrida para o Oscar 2020.

Com direção de Kantemir Balagov (Tesnota) e inspirado no livro "A Guerra Não Tem Rosto de Mulher" (1983), a história se passa em Leningrado (atual São Petersburgo) e narra a trajetória de duas jovens que retornam do conflito para casa após cumprirem suas missões na Força Aérea Soviética. Com suas vidas devastadas, Iya (Viktoria Miroshnichenko) e Masha (Vasilisa Perelygina) tentam encontrar tranquilidade e compreensão em um mundo sombrio, complexo e solitário por meio da relação de intimidade que elas possuem de longa data, fazendo novas descobertas na medida em que ficam ainda mais próximas.

Inicialmente, o espectador, graças ao belo trabalho de edição e desenho de som, começa a sentir a agonia, as tensões e os infortúnios de Yia ao ouvir seus soluços e respiração acelerada. Em meio a um hospital que abriga os veteranos de guerra, ela tenta confortá-los, alguns aliviados após o fim de intensas batalhas que quase os vitimaram, outros dispostos a por um fim em suas vidas, com a morte sendo encarada como uma solução menos dolorosa. 

Foto: Supo Mungam Films

Na medida do possível, Yia passa a transformar o cotidiano dessas pessoas, alguns para melhor, mas ela também precisa controlar seus ímpetos e cuidar de seu estado psicológico ainda afetado, o que acaba fazendo com que cometa um ato terrível enquanto cuida do filho de Masha, que não está em casa. A personagem, de alta estatura, é muito tímida, enquanto Masha é mais aberta e procura (re)encontrar a felicidade por meio de prazeres sexuais.

Com arcos narrativos bem construídos, o roteiro apresenta um importante contraste entre as protagonistas, de modo que, aos poucos, um denominador é estabelecido entre elas ao longo de um caminho tortuoso e difícil que é evidenciado ao longo dos 137 minutos de projeção.

O universo perturbador em que as personagens estão inseridas é também percebido através da cinematografia de tons cinzas e a representação dos ambientes sucateados após os bombardeios. A cor verde, vista em alguns ambientes e quadros, também se faz presente, e a interação ao ar livre, em contato direto com a natureza, que ocorre com Yia e Masha, são uma constante, passando a sensação de liberdade e alívio.

Temas como empatia e sexualidade também são explorados, cada um com seu grau de importância para a narrativa. Cada protagonista enfrenta um dilema. Masha sonha em ter filhos, mas sofre de infertilidade, enquanto Yia é apaixonada por Masha, mas não consegue avançar ou declarar seu amor. Há fortes barreiras entre elas, assim como algumas condutas são reprováveis a medida que a trama caminha. No entanto, imagino que não há julgamento por parte do espectador, já que a questão primordial é se ambas vão encontrar a paz interior que tanto procuram. Nesse ponto, o trabalho das atrizes é essencial e admirável.



Visceral, intenso e perturbador, Uma Mulher Alta reserva fortes emoções e importantes debates acerca da liberdade de expressão e a sensação de pertencimento em um cenário pós-guerra. Uma obra de arte do cinema russo, que carrega todos os méritos, do elenco ao competente trabalho de seu diretor e roteiristas, que souberam explorar as facetas do comportamento do ser humano em situações limites.

Ótimo

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