CRÍTICA | Kill Bill: Volumes 1 e 2

Direção: Quentin Tarantino
Roteiro: Quentin Tarantino
Elenco: Uma Thurman, David Carradine, Lucy Liu, Michael Madsen, Daryl Hannah, Vivica A. Fox, Julie Dreyfus, entre outros
Origem: EUA/Japão
Ano: 2003/2004


Volume 1

Kill Bill: Volume 1 (2003) foi o primeiro filme de Quentin Tarantino (Jackie Brown) que assisti na vida. No auge dos meus 15 anos e ainda sem grande bagagem cinematográfica, lembro-me de me apaixonar pela obra, por sua ação desenfreada, pelo espetáculo visual proporcionado, sua montagem não-linear e sua trilha sonora empolgante. Elementos que até hoje chamam minha atenção, já que assisti-lo novamente, quase 17 anos depois, foi uma experiência muito interessante.

Após sobreviver a uma chacina, grávida, em seu próprio casamento, A Noiva (Uma Thurman) acorda de um coma profundo anos depois, jurando vingança para com aqueles que a fizeram sofrer. A lista, carinhosamente apelidada "Death List Five", é composta por cinco nomes: O-Ren Ishii (Lucy Liu), Vernita Green (Vivica A. Fox), Budd (Michael Madsen), Elle Driver (Daryl Hannah) e, claro, Bill (David Carradine).

O que mais me impressionou nessa revisita é o controle técnico de Tarantino e de sua famosa montadora - infelizmente já falecida - Sally Menke (Bastardos Inglórios). O trabalho de montagem, municiado pelo roteiro inspirado do cineasta, é absolutamente fascinante, já que traça uma narrativa não-linear complexa sem nunca confundir o espectador, pelo contrário, quando falta algum elemento essencial para a total compreensão do que está se passando em cena, ele é utilizado como gatilho para que o próximo momento traga respostas e assim por diante. E ainda que a iniciativa não seja inovadora por parte da dupla, já que haviam feito algo semelhante em Cães de Aluguel (1992) ou Pulp Fiction: Tempo de Violência (1994), é aqui que chegam ao auge da proposta.

Foto: Imagem Filmes

Indo além, a dupla entrega ao espectador cenas de primor técnico que ficaram marcadas na história do cinema, como a batalha da Noiva contra os "Crazy 88's". A criativa coreografia e o ótimo trabalho dos dublês só funciona graças a montagem, que é hábil em esconder todas as vezes em que Uma Thurman (A Casa Que Jack Construiu) não está em cena, sem prejudicar o ritmo do filme ou, novamente, a compreensão de quem o assiste. Some a esses elementos o figurino icônico da protagonista - que faz referência direta a Bruce Lee (Jogo da Morte) - e a trilha sonora inspirada, e presenciamos algo especial.

A música, aliás, é elemento indispensável em Kill Bill: Volume 1, esbanjando a confiança de seu diretor em uma obra que revela toda a "nerdice" do mesmo. Gosto de citar a abertura da obra como referência nesse ponto, quando Tarantino brinca com Star Trek ao escrever em tela que "vingança é um prato melhor servido frio", um antigo provérbio Klingon. Em seguida, a Noiva leva um tiro na cabeça, e imediatamente começa a tocar "Bang Bang", de Nancy Sinatra. O auge, na minha opinião, vem com o duelo da protagonista contra O-Ren Ishii, quando vemos um embate de espadas samurai tradicional ao som de Santa Esmeralda. Não dá pra ficar mais Tarantino que isso. E é maravilhoso.

Falando em espadas samurai, gosto particularmente de como o cineasta constrói toda uma mitologia para seu longa. A espada das espadas é uma Hattori Hanzō, o clã do qual a Noiva fez parte e quer agora se vingar é o "Esquadrão Assassino das Víboras Mortais", o carro utilizado pela noiva é o "Pussy Wagon". Uma mistura de estilos e gêneros claramente tirados de filmes de samurai, kung fu, trash, western e também dos animes. Tudo carregado de referências que trazem bagagem para suas escolhas. Não à toa a sequência animada com a origem de Ishii é uma das mais marcantes da produção.

Foto: Imagem Filmes


Pressionado pelo estúdio na época do lançamento devido a longa duração do corte final, Tarantino se viu obrigado a dividir sua obra em duas partes, o que justifica o "volume" do título. Ainda que nunca tenha assistido a versão que junta os dois longas, apelidada de "The Whole Bloody Afair", particularmente creio ter sida uma decisão acertada. O gancho escolhido para atrair o espectador para o Volume 2 é o ápice da injeção de adrenalina que acabamos de assistir. Impossível não ficar minimamente curioso para o que viria a seguir. A pergunta era se o diretor conseguiria entregar uma conclusão que pudesse satisfazer tamanha expectativa por parte do público e da imprensa.

Ótimo


Volume 2

Kill Bill: Volume 2 (2004) foi o primeiro filme de Quentin Tarantino que assisti na grande tela. Salvo engano, também foi a primeira vez que fui ao cinema sozinho, tamanha era a minha expectativa. De certo, bem maior que a dos meus amigos, que não se importavam em esperar mais alguns dias para assistir. Característica cinéfila maior não há, creio eu.

Se no Volume 1 mergulhamos de cabeça na ação desenfreada e na cultura samurai, no Volume 2 Tarantino pisa no freio e nos deixa respirar, usando e abusando de suas referências aos westerns clássicos e na jornada do guerreiro solitário, no caso uma guerreira, a Noiva. Já conhecemos os personagens, já sabemos da ambição da protagonista. É o momento do desfecho e do embate com aqueles que representam maior ameaça a ela, já que a "Death List Five" funciona quase como um video game, em que a personagem vai vencendo adversários cada vez mais forte até chegar no "chefão". Que aqui tem nome: Bill.

Ao mesmo tempo em que abandona a narrativa não-linear, o cineasta não se priva de trazer  vários flashbacks da jornada de sua protagonista, respondendo perguntas importantes (como o nome da Noiva ou a forma como o atentado em seu casamento ocorreu) e mostrando como ela se tornou uma guerreira letal, fruto de seu árduo treinamento com Pai Mei (Gordon Liu).

Foto: Imagem Filmes

Outro motivo para se louvar o roteiro de Tarantino é a forma como toda grande ação da Noiva é justificada dentro da própria trama, ainda que exageros propositais aconteçam por conta da proposta empregada. Por exemplo, soaria impossível imaginar a protagonista saindo do caixão no qual foi enterrada viva, caso não tivéssemos conhecido o seu treinamento e o aprendizado da técnica que a livrou da morte. Essa cena em específico é deveras empolgante graças a trilha magistral de Ennio Morricone (Os Oito Odiados), tantas vezes reverenciado pelo cineasta. O fato da personagem exercer a técnica perfeitamente é outra pista que culminará na maior recompensa da obra: o embate com Bill.

Fugindo do lugar comum, o diretor ainda subverte expectativas ao mostrar que os adversários de nossa protagonistas podem acabar sendo vencidos sem que ela esteja diretamente envolvida na ação. Da mesma forma, há deixas pontuais para que um possível Volume 3 possa ser lançado, algo que Tarantino comentou vez ou outra, mas sem qualquer anúncio oficial até aqui. Algo que não seria verdadeiramente necessário, é bem verdade, mas que me empolgaria profundamente.

Para encerrar, é preciso citar o embate final da Noiva contra Bill, que também subverte expectativas. Não há grande batalha ou estilização, pelo contrário. O roteiro toma a cena, abrindo espaço para diálogos inspirados, como quando o antagonista faz uma analogia sobre a verdadeira identidade secreta do Superman, algo que até hoje impacta a visão de muitos fãs dos quadrinhos a respeito do icônico personagem. Já a forma como a protagonista vence seu adversário é também surpreendente, ainda que tenha sido milimetricamente antecipada pelo texto, como disse antes.

Foto: Imagem Filmes

A cena final é um misto de ternura com sensação de dever cumprido. Ao mesmo tempo que é a consolidação de um cineasta já lendário, que continuaria a produzir obras inesquecíveis, como aquelas que a procederam, anos a seguir. Esse é Quentin Tarantino

Que não pare no décimo filme. E que o Volume 3 aconteça.

Ótimo

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