CRÍTICA | A Casa Que Jack Construiu

Direção: Lars von Trier
Roteiro: Lars von Trier
Elenco: Matt Dillon, Bruno Ganz, Uma Thurman, Jeremy Davies, entre outros
Origem: Dinamarca / França / Alemanha / Suécia
Ano: 2018


Tenho um misto de paixão e decepção quando assisto aos filmes de Lars von Trier (Anticristo). Paixão, pois admiro seu talento como cineasta, especialmente do ponto de vista plástico, assim como a liberdade criativa a qual se permite, como já vimos em obras como Dogville (2003) e Melancolia (2011). Decepção, pois repudio sua necessidade egocêntrica de estar sob os holofotes a qualquer custo, por vezes "agredindo" o espectador com cenas gratuitas de violência que, se pararmos para pensar, não precisariam estar em tela, como acontece nos volumes 1 e 2 de Ninfomaníaca (2013) e volta a ocorrer em seu mais recente lançamento, A Casa Que Jack Construiu (The House That Jack Built).

Na trama acompanhamos Jack (Matt Dillon), um serial killer que narra a sua história através de 5 assassinatos totalmente aleatórios que cometeu ao longo de sua vida, referidos por ele como "incidentes". Através desses 5 atos, o espectador é convidado à visitar a mente de um psicopata, vivenciado as atrocidades que ele comete e buscando o entendimento da forma como enxerga o mundo, de maneira fria e sem sentimentos. Para ele a morte - e suas vítimas - são como uma obra de arte que constrói, tal como a casa de seus sonhos, referenciada no título do longa, já que também é arquiteto.

Ao passear entre momentos aleatórios da trajetória do protagonista, o roteiro de von Trier acerta ao não se prender a amarras narrativas, nunca permitindo que o público antecipe os eventos. Além disso, fica evidente a sátira aos filmes do gênero, tamanha a obviedade dos diálogos. Aqui é comum vermos um policial agindo com absoluta estupidez na frente do principal suspeito de um crime, assim como parte das vítimas explicitam com todas as letras o quão estranho e suspeito é Jack, sem nunca afastarem-se da figura do mesmo. Um senso de humor característico do cineasta e que funciona muito bem aqui, principalmente nas cenas em que o transtorno obsessivo compulsivo do assassino é abordado.

Foto: Califórnia Filmes

Falando de Jack, a escolha de Matt Dillon (Crash: No Limite) se mostra acertada, já que a falta de expressividade do ator encaixa perfeitamente no perfil de um psicopata sem sentimentos, tornando seu trabalho irrepreensível. Outro destaque é Uma Thurman (Pulp Fiction: Tempos de Violência),  que parece ter se divertido no papel de uma vítima dissimulada do protagonista, ainda que apareça brevemente na obra. O mesmo não ocorre com Jeremy Davies (O Resgate do Soldado Ryan) que soa desperdiçado, limitado quase a uma participação especial. Já Bruno Ganz (A Festa) revela sua presença apenas no ato final, mas que não revelarei detalhes para não dar spoilers

E se até aqui frisei os acertos de Lars von Trier, preciso agora me voltar para sua característica mais negativa, como já citei no início: o egocentrismo. Buscando o choque pelo choque, sem qualquer necessidade narrativa, o diretor entrega cenas que poderiam ser facilmente cortadas da montagem final, ou até filmadas de forma menos reveladoras, que causariam um impacto até maior no espectador. Trago como exemplo a cena em que, sem qualquer pudor, mostra crianças sendo alvejadas por tiros ou mesmo o momento em que mostra (e repete) o assassino cortando os seios de uma vítima. São cenas que parecem estar lá apenas para que o filme seja comentado após a sessão. E nada mais.

Não satisfeito, o cineasta chega ao auge de sua viagem egocêntrica em um momento chave do longa, ao revelar um clipe com trechos de grande parte dos seus filmes anteriores, uma espécie de auto-referência e auto-validação sua obra, algo que, até então, nunca havia presenciado na grande tela. 

Foto: Califórnia Filmes

Apesar do apuro técnico e visual, A Casa Que Jack Construiu também se estende em demasia, prolongando cenas e diálogos além do necessário, o que provavelmente causará cansaço no espectador em alguns momentos. O tipo de filme que não agradará todos os públicos (o que não é novidade na filmografia do diretor), mas que poderia ir além, não fosse a vaidade desenfreada de seu cineasta. Às vezes menos é mais. E me parece que Lars Von Trier não quer, e nem pretende, aprender essa lição. 

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