CRÍTICA | A Bela e a Fera

Direção: Gary Trousdale e Kirk Wise
Roteiro: Linda Woolverton
Elenco: Paige O'Hara, Robby Benson, Jesse Corti, Jerry Orbach, entre outros
Origem: EUA
Ano: 1991

É inegável que, na década de 1990, a Disney já estava com seu império cinematográfico consolidado. Desde o final da década de 1930, com o lançamento de Branca de Neve e os Sete Anões (1937), as técnicas para filmagem em animação alcançaram uma evolução exponencial. Entretanto, embora A Pequena Sereia (1989) tenha sido o primeiro conto de fadas do estúdio em trinta anos, desde o lançamento de A Bela Adormecida (1959) - abrindo, portanto, a era do Renascimento da Disney -, A Bela Fera (Beauty and the Beast) é, definitivamente, uma das mais importantes, não só por ter sido a primeira a concorrer ao Oscar de Melhor Filme, mas por ter qualidades ímpares, sendo visualmente estupendo e narrativamente uma obra-prima, ao unir diversos elementos modernos à história com uma protagonista feminina à frente de seu tempo.

O longa começa com uma composição sonora arquitetada por um dos grandes mestres da música, Alan Menken (Aladdin), em companhia de seu letrista Howard Ashman (A Pequena Loja dos Horrores). O foco da introdução é a Fera (Robby Benson), um personagem arrogante e mimado que se importa mais com as aparências do que qualquer outra coisa. Seu reino é ameaçado pela aparição de uma feiticeira, cuja maldição é apresentada pelo símbolo da rosa vermelha. A potência de seu feitiço faz com que todos os habitantes do castelo sejam transformados em mobília, enquanto o príncipe exterioriza toda a podridão de sua personalidade, ganhando chifres, presas, garras e um temperamento agressivo.

Logo depois, somos apresentados a Bela (Paige O’Hara), uma garota insatisfeita com a vida que leva, que pretende deixar o campo e partir para a cidade, além de ler quantos livros forem possíveis. É interessante que a principal característica da personagem não seja relacionada a sua beleza, mas sim a sua sede de conhecimento e sua “mania de leitura”, como dizem na música que apresenta a personagem.

Diferente das princesas Disney anteriores, a protagonista preza por uma independência que a deixa mais carismática. Ela tem noção de seus objetivos e convicções, e enfrenta desafios com confiança. Não dá a mínima para Gaston (Richard White), por exemplo, o forte e arrogante rapaz que deseja casar com ela a qualquer custo, e também não pensa duas vezes antes de tomar o lugar de seu pai como prisioneira no castelo de Fera.

Walt Disney Pictures

O roteiro, nascido da colaboração de onze pessoas, inspirado no conto de Jeanne-Marie Le Prince de Beaumont, dá à heroína a chance de escrever seu próprio destino sem que grandes impossibilidades se ponham a sua frente, tornando possível que viva um amor mais do que inusitado. É notável o capricho na relação amorosa desenvolvida entre os seus protagonistas, com Bela sendo o vetor de transformação da Fera.

Dentre todas as figuras de príncipes já apresentadas anteriormente, nenhuma recebeu tanto destaque quanto a Fera, pois recebe um arco dramático que a transforma de uma criatura fria e amedrontadora a um ser capaz de amar pela primeira vez. A existência de um desenvolvimento concreto difere o personagem dos demais. A própria relação do personagem com os seus serviçais é trabalhada ao longo do filme. Não é à toa que, percebe-se um real comprometimento desses personagens em fazer a Bela e a Fera se apaixonarem, evidenciando-se, dessa forma, coadjuvantes com propósitos narrativos claros, além de serem memoráveis, tanto pelos traços adotados quanto pelas interpretações de voz.

Se a caricatura acomete a Fera em suas primeiras aparições, a sutil direção de Gary Trousdale (O Corcunda de Notre Dame) e Kirk Wise (Atlantis: O Reino Perdido) faz com que o contato com a moça acalme seu coração, mostrando que há sentimentos por trás de tantos pelos e enormes garras. As mensagens contra o preconceito e sobre questões de aparência são inevitáveis, mas A Bela e a Fera é, acima de tudo, um romance dos mais inspirados, fazendo com que os dois opostos não pareçam tão divergentes assim.

Muitos podem argumentar, porém, das problemáticas envoltas desse amor, como o fato de Bela ter sido mantida refém pela Fera. O interesse dos realizadores está em realçar a tristeza de toda a situação, mostrando uma criatura solitária e, acima de tudo, desesperada em quebrar um encantamento poderoso. Justamente quando caminha por essa tentativa de humanizar o protagonista que a história sofre uma reviravolta, com Bela sendo libertada de sua prisão assim que seu pai necessita de sua ajuda, mostrando que a Fera está mais interessada no real amor do que em qualquer outra coisa.

Apesar de tudo isso, a maior aproximação entre as duas figuras dessa paixão impossível é encaminhada pela excepcional trilha sonora, uníssona em qualidade, encontrando o verdadeiro clímax dele com a deslumbrante “A Bela e a Fera”, cantada por Madame Samovar (Angela Lansbury) e protagonista de uma sequência inesquecível no salão do castelo, um dos grandes momentos românticos da história do cinema.

Walt Disney Pictures

Com uma qualidade de animação bastante peculiar, dando preferência à movimentação dos personagens a suas apresentações estáticas, buscando o dinâmico, o filme encontra um valor artístico formidável em diversas de suas passagens. A obra traz músicas de alta qualidade, que têm funções narrativas primordiais. Se a primeira delas revela a personalidade da protagonista, assim como apresenta a vila e os moradores que a habitam, “À Vontade” faz Lumière (Jerry Orbach) transformar o antes obscuro castelo em um banquete, amenizando o tom pesado. Gaston também tem o seu próprio número para gabar-se e mostrar tudo o que ele está disposto a fazer para casar-se com Bela. Assim sendo, o ápice dos contos de fadas também é um dos ápices dos musicais. A versão brasileira é magnífica, com destaque para a tradução das canções, mantendo-as especiais.

A Bela e a Fera pode ser caracterizado como uma obra-prima, principalmente pelas diversas e complexas camadas que compõem a animação. Sua superioridade frente a outros filmes do estúdio vai além da narrativa emocionante e envolvente, alastrando-se para vertentes simbólicas muito bem estruturadas. Permanece até hoje conservada em sua atemporalidade, sendo um daqueles filmes que são vistos quando criança, mas que ainda exercem um fascínio sobre nós, mesmo depois de adultos.

Ótimo

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