CRÍTICA | Nosso Sonho

Direção: Eduardo Albergaria
Roteiro: Eduardo Albergaria, Daniel Dias e Mauricio Lissovsky
Elenco: Juan Paiva, Lucas Penteado, Isabela Garcia, entre outros
Origem: Brasil
Ano: 2023

A categoria de cinebiografias de músicos é o seu próprio épico no mercado cinematográfico brasileiro. Uma escolha segura que mira em identificação e nostalgia com seu público, amparado por uma estrutura já verificada e testada de filmes do gênero. Não é um problema particular das cinebiografias brasileiras que o caminho para adaptar a vida e jornada artística de um indivíduo seja tantas vezes um speedrun de listagem de shows e canções de sucesso, sem qualquer preocupação com personagens no meio. É recorrente também a reverência às figuras representadas ser tamanha que o longa em si vira só um veículo de veneração irrefletida. Essa triagem de clichês já ficou tão batida que já é fácil de parodiar.

O que Nosso Sonho, dirigido por Eduardo Albergaria (Happy Hour: Verdades e Consequências), faz, não se distingue totalmente desse estigma, mas angaria um charme muito próprio através de escolhas que privilegiam muito mais o envolvimento emocional do espectador com a dupla que estão assistindo, não somente com a ideia de uma dupla de funkeiros de sucesso nos anos 1990 do Rio de Janeiro. A música é muito mais parte do caminho que a finalidade em si, e o filme não se envergonhar disso concede uma vulnerabilidade rara para produções do tipo nos dias de hoje.

Buchecha (Juan Paiva) e Claudinho (Lucas Penteado) foram amigos a vida inteira, desde a criação próximo a ribanceiras em São Gonçalo até o reencontro na adolescência no morro do Salgueiro. Nosso Sonho é sobre o amor de um pelo outro, como se contagiam e se estimulam a fazer movimentos arriscados, a inventar, a cortejar seus amores e encarar seus fantasmas. Quando Claudinho faz a sugestão à Buchecha de formar uma dupla de funk, não há qualquer antecipação, é de uma espontaneidade quase infantil, que ganha contorno dramático pela relação entre Buchecha, o pai, e o violão que compartilhavam. Dessa forma, mesmo que cantar não tenha sido sempre o objetivo, a melodia sempre percorreu próxima.

Urca Filmes

Outros filmes do gênero se ocupariam muito mais extensamente com a escalada para a fama, a sequência de shows, debates com gravadoras e eventuais crises éticas. Isso não acontece aqui, talvez até por limitações sempre aparentes de produção, resultando em imagens autocontidas charmosas, mas também muitas sequências pouco convincentes de shows com uma leva reduzida de figuração, ou catástrofes que a imagem não dá conta de mostrar, restando à narração exaustiva em voice-over contar tudo.

Enquanto a obra consegue escapar da tendência de homenagem ao partir da perspectiva de Buchecha e conceber uma relação extremamente complicada com seu pai, Souza (Nando Cunha), sustentada pela dinâmica rica em expressões e contorções do Juan Paiva (Um Lugar ao Sol) com Nando Cunha (Um Natal Cheio de Graça), ele acaba voltando pra armadilha ao olhar o Claudinho carismático de Lucas Penteado (Barba, Cabelo e Bigode) com uma fascínio admitidamente religioso. É atribuída ao cantor já falecido essa alcunha de anjo, embalsamado em uma memória afetiva que o livra de todo julgamento ou erro.

Talvez isso não fosse um problema tão aparente se o voice-over do Buchecha não invadisse todo momento dramático para explicar o que deve ser sentido ou interpretado daquele momento e saqueando toda a autonomia do espectador de chegar à essas conclusões sozinho. Não é tanto uma falta de confiança na inteligência do público, e sim o verniz declamatório de homenagem que o verdadeiro Buchecha gostaria de prestar ao amigo, numa camada que ultrapassa o filme enquanto obra. Mas ainda assim, é necessário apontar que prejudica a absorção dos acontecimentos.

Urca Filmes

As elipses vão se tornando um pouco mais confusas ao final de Nosso Sonho, mesmo com a muleta de cartelas de localização cronológica, mas é um dilema que, novamente, acaba exaltando os pontos fortes do trabalho: seu interesse não é na linha do tempo dos acontecimentos, mas na natureza altruísta e abnegada da relação entre dois irmãos firmados pelas próprias mazelas, que se salvaram crianças, jovens e adultos. É por isso que a produção ainda consegue notas bem emocionais no fim das contas, porque não está embriagado com palcos e espetáculos maiores que a vida, mas sim com a intimidade daqueles vínculos, do que se passa adiante para os filhos, seja um violão, seja um disco para entregar daqui a quinze anos.

Bom


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