CRÍTICA | Levante

Direção: Lillah Halla
Roteiro: Lillah Halla e María Elena Morán
Elenco: Ayomi Domenica, Grace Passô, Loro Bardot, entre outros
Origem: Brasil/França/Uruguai
Ano: 2023

Recém-premiado, Levante levou os troféus Redentor nas categorias de Melhor Edição e Melhor Direção no Festival do Rio 2023, uma conquista que assinala diversas outras distribuídas na execução do longa de estreia da diretora Lillah Halla (Menarca). O filme, sem muita cerimônia, nos introduz à Sofia (Ayomi Domenica), o ás do time de vôlei do clube local, uma equipe diversa e efusiva em sua multiplicidade e juventude, mas que encontra terreno seguro para suas peculiaridades sob a tutela da treinadora Sol (Grace Passô).

Levante não faz quaisquer concessões a respeito de suas personagens, sobre suas pluralidades de corpos e gêneros, pois não são elas que precisam pedir licença para existir em tela, mas o espectador que precisa se deixar convidado a esta pequena sociedade de transgressões e injeções. A escolha de observar esse grupo de amigues no contexto esportivo fortalece a impressão de que estas são pessoas que estão ali umas pelas outras. Isso vai ser fundamental para Sofia, uma vez que descobre uma gravidez indesejada justamente quando está concorrendo a uma bolsa escolar para jogar no exterior.

Sem qualquer vestígio de dúvida, Sofia sabe que quer abortar. Tratar na ficção de um assunto que provoca tantas emoções só de ser nomeado é uma responsabilidade cheia de armadilhas. Felizmente, o trabalho cuidadoso da equipe transpira os resultados da atenção aos detalhes e da preocupação com o tema. Apesar de o filme mergulhar tão rápido em sua trama que mal dá tempo de decifrar quem é Sofia enquanto personagem, seu desespero e equívocos de autoflagelação para tentar interromper a gravidez são uma realidade brasileira que dispensa apresentações.

Manjericão Filmes

Como uma médica explica em dado momento, existem mesmo mais riscos em uma jovem manter a gestação do que pará-la. Isso não é uma conversa no Brasil pois o que está em jogo não é a preservação de vidas, e sim a manutenção de valores fundamentalistas e suas instituições. Mas isso a obra não precisa nem explicar, porque organizou muito bem seus dispositivos dramáticos para evidenciar o que quer através de ações.

Alguns dos momentos mais tensos na exibição do longa, dos que suspenderam coletivamente a respiração da audiência, conseguem isso por meio de sugestões taciturnas de um perigo gritante, pegando emprestado vários recursos de gênero para aproximar a experiência de um terror psicológico, quase um body horror vivido por Sofia. A falta de informação e os engodos nos quais acaba escorregando botam ela na mira de religiosos dispostos à violência para intimidar e coagir a protagonista, fabricando uma atmosfera de paranoia muito eficiente.

Espelhando a realidade, a própria palavra "aborto" quase nunca é dita, com todos se usando de sinônimos vagos ou dedos acusatórios para substituir. Mas é somente diante dessa palavra que o curso das ações da narrativa colide contra um destino tão tão improvável quanto inevitável. O filme tem uma composição mais tímida, mas está obstinado a impedir que suas personagens seja silenciosas ou resignadas. É nessa direção entre os afetos, as promessas e a dedicação de uma rede de apoio, que Levante não soa mais apenas como uma palavra de ordem. É o único caminho possível.

Ótimo


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