CRÍTICA | Benzinho

Direção: Gustavo Pizzi
Roteiro: Gustavo Pizzi e Karine Teles
Elenco: Karine Teles, Otávio Müller, Adriana Esteves, Konstantinos Sarris, César Troncoso, Laun Teles, entre outros
Origem: Brasil / Uruguai / Alemanha
Ano: 2018


Logo a primeira cena ser uma jornada abarrotada para a praia apresenta um bom nível de entendimento da odisseia que é ser um suburbano fluminense. A existência do Rio de Janeiro é facilmente identificável como uma manutenção do caos, seus habitantes tendo de apresentar desenvoltura e raciocínio rápido para não deixar nenhuma oportunidade escapar enquanto sonham exaustos, mas determinados com uma ascensão da qualidade de vida. É uma gerência constante de paliativos para conseguir fechar as contas todo mês. Para os mais favorecidos da nossa hierarquia econômica talvez soem estranhas tantas cenas com sacolés, quentinhas, embrulhados improvisados, mas é essencialmente do que se trata sobreviver em família.

Benzinho trata, em suma, de uma família suburbana seguindo a dupla jornada de preservar os laços e proteger os seus, enquanto permite aos filhos crescerem e o futuro chegar. Nem sempre a passagem temporal representará progresso, pois não estamos necessariamente evoluindo, mas acumulando. Nossa identidade vai se acoplando às bagagens que a gente carrega, escolhas que tomamos e negligências que seguem firmes e ocultas até serem impossíveis de se dissociarem. Quando o primogênito Fernando (Konstantinos Sarris) é convidado para estudar na Alemanha, a matriarca Irene (Karine Teles) tem de aceitar o fato de que a jornada segue e certas coisas não se guardam nos mesmos lugares. Não à toa, durante toda obra, a mãe repele tentativas do marido (Otávio Muller) em vender a casa de praia ou se recusa a se ver desfeita de roupas antigas, talheres, cadeiras, pois projeta em itens materiais o acúmulo que teve durante sua jornada, temendo a separação como um desvínculo definitivo com seu passado.

Foto: Primeiro Plano

Essa angústia vai surgindo de todas as formas disponíveis no arsenal de emoções humanas, enquanto Irene também procura finalmente se formar, busca um emprego estável e acolhe a irmã (a sempre impecável Adriana Esteves) vítima de violência doméstica. A casa em que vivem está rachando, invadida por infiltração, o sistema elétrico defeituoso. Mas ainda é a casa daquelas pessoas. Deve-se buscar salvaguardar essa condição a todo custo? Uma pia que estoura e alaga a cozinha, a porta que não abre e precisam sair por uma escada na janela, a lâmpada que sempre queima, são exemplos de elementos que constituem essa residência produtora de muita história, mas já condenada a ser deixada para o passo seguinte.

É muito bacana ver o quanto Karine Teles (O Lobo Atrás da Porta) oferece nesse papel, rica de generosidade e energia exasperada que a constitui como mãe, principalmente após ter sido condenada a um papel constrangedor no equivocadíssimo Fala Comigo (2016), inclusive se redefinindo mais uma vez numa nova faceta de matriarcalidade - em suas ausências e consagrações - dentre as que tem trazido pelo menos desde seu trabalho destacável em Que Horas Ela Volta? (2015). Em Benzinho, talvez pela deliciosa química de contracenar com seus filhos na vida real e ser dirigida pelo marido, Karine entrega as sutilezas da fragilidade impenetrável de seu papel no núcleo da casa, o entendimento de um dever ininterrupto para com todos.

As inúmeras contenções de dano, as aventuras de deslocar-se pela cidade procurando uma solução e fechando as contas com bicos aqui e ali, a garimpagem por oportunidades são características valiosas de um senso comum nacional aceito ingratamente pela frustração de o sucesso nunca chegar, as melhorias tardarem a despontar, a vida dificultar pra melhorar, os filhos crescerem. Tendo escrito juntos o roteiro, mas se curvando humildes à natureza impetuosa de tanto improviso adorável nas dinâmicas familiares, Gustavo Pizzi (Riscado) e Karine Teles compartilham sua ode pessoal ao que acreditam haver de mais puro na matriarcalidade.

Foto: Primeiro Plano


Ótimo

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