CRÍTICA | Ted Bundy: A Irresistível Face do Mal

Direção: Joe Berlinger
Roteiro: Michael Werwie
Elenco: Zac Efron, Lily Collins, Jim Parsons, Kaya Scodelario, John Malkovich, entre outros
Origem: EUA
Ano: 2019


Produzir um filme baseado em fatos exige muito cuidado e respeito de seus realizadores, especialmente quando a história lida com assuntos polêmicos e impactantes como homicídios, casos policiais e violência contra a mulher. Usar a ficção para suavizar ou diminuir o peso de crimes hediondos, ou mesmo tentando justificar o ponto de vista de um assassino, pode ser muito perigoso e, claro, desrespeitoso com as vítimas. Infelizmente, para mim, esse é o caso de Ted Bundy: A Irresistível Face do Mal (Extremely Wicked, Shockingly Evil and Vile).

Ted Bundy assombrou os Estados Unidos entre os anos 1974 e 1978, assassinando mais de 30 jovens estudantes. O roteiro de Michael Werwie (A Rose Reborn), baseado no livro The Phantom Prince: My Life with Ted Bundy, escrito pela ex-namorada do psicopata, Elizabeth Kendall, ganhou o título original norte-americano de "Extremamente Perverso, Escandalosamente Cruel e Vil, frase proferida em seu último julgamento.

Em sua série documental para a Netflix, Conversando com um Serial Killer: Ted Bundy, o diretor Joe Berlinger (Unspeakable Crime: The Killing of Jessica Chambers) tem como ponto de partida uma série de testemunhos e entrevistas de pessoas ligadas a Bundy, oferecendo uma experiência muito mais imersiva e realista no psicológico do criminoso. No longa-metragem, o cineasta propõe mudanças buscando entretenimento a partir de um roteiro sinuoso. E ainda que não seja tão imersivo quanto a realidade do documentário, um fator positivo que o diferencia é dar espaço para Elizabeth Kendall (Lily Collins) que assume o protagonismo da trama, desenvolvendo a narrativa a partir do seu ponto de vista.

O que preocupa, no entanto, e o que torna um projeto problemático, é a romantização que apresenta em sua maior parte. Ainda que estejamos falando de um filme de serial killer ou um drama de tribunal, em grande parte a obra soa como um drama romântico. 

Foto: Paris Filmes

O filme inicia em 1969, quando Bundy (Zac Efron) conhece Elizabeth em um bar próximo a sua universidade. Até então, ele soa um cara legal e encantador, que não demostrava perigo. A trama busca a perspectiva da garota, soando inocente muitas vezes, com suas inseguranças de uma mãe solteira na década de 70, que acaba se apaixonando e que tem sua vida transformada em um caos quando o rapaz é preso e passa a ser investigado pela série de crimes que cometeu. Ainda que a visão de Liz seja a base do filme, com o tempo a proposta vai se perdendo, transformando-se de uma análise de uma relação abusiva para um drama comum de tribunal.

Bundy era estudante de Direito, um sujeito inteligente, carismático e charmoso, algo que fez com que muitas mulheres da época acreditassem em sua inocência, acumulando uma legião de apoiadoras e fãs. Ele se sentia como uma celebridade, sustentando sua mentira até a véspera de ir para a cadeira elétrica, em 1989.

O problema é que sua tendência homicida, sua falta de sentimentos e crueldade não são exploradas pelo longa, o que torna a obra preocupante, especialmente para quem a assiste sem conhecer os fatos. Isso certamente fará com que muitos acabem se afeiçoando por Zac Efron (O Rei do Show) em tela, o que é deveras perturbador. O ator, claro, foi uma ótima escalação, especialmente por sua semelhança física, mas a proposta incomoda.

Psicopatas, stalkers e homens obsessivos não deveriam ser romantizados ou apresentados cinematograficamente um tipo de homem para se apaixonar. Não se pode esquecer da brutalidade dos atos de um assassino. Justamente por isso, recomendo e acho necessário um estudo prévio da figura de Bundy antes de se assistir a A Irresistível Face do Mal, para que se encare o personagem como o monstro que foi. Algo que não foi retratado no longa.

Foto: Paris Filmes

O roteiro chega ao ponto de quase glamorizar o personagem ao tentar induzir o espectador a sentir pena de Bundy, fazendo-o se questionar se os crimes foram cometidos por ele ou não. Se a princípio poderia-se pensar que essa era justamente a intenção do diretor, emulando a sensação de muitos naquela época, quando lembramos que estamos falando de um criminoso condenado a morte por feminicidio, tema tão discutido atualmente, a teoria não se sustenta.

Ainda assim, há aspectos positivos na obra, começando por seu elenco. As mulheres que se envolverem com o serial killer, interpretadas por Lily Collins (Tolkien) e Kaya Scodelario (Maze Runner: A Cura Mortal), alarmam o espectador para o perigo de um relacionamento abusivo e dependente influências tóxicas. Efron, por sua vez, mostra que não é apenas um rostinho bonito, entregando uma atuação madura, minuciosa, capturando os trejeitos de um dos criminosos mais conhecidos dos EUA. Um de seus melhores momentos é no último enfrentamento entre Bundy e o juiz do tribunal, vivido por John Malkovich (Caixa de Pássaros). A cena mostra ambos em pé de igualdade, com a melancolia do primeiro não dando espaço para a piedade do segundo, que lamenta, pensando em como a sua trajetória poderia ter sido brilhante, mas não enxerga perdão para o caminho escolhido por ele.

Essa romantização que Ted Bundy: A Irresistível Face do Mal traz, ainda que possa ter sido proposital, como citei antes, acaba sendo desrespeitoso com tantas vítimas e com as mulheres em geral. O que infelizmente acaba provando que assuntos como feminicídio precisam ser discutidos cada vez mais.

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