CRÍTICA | Midsommar: O Mal Não Espera a Noite

Direção: Ari Aster
Roteiro: Ari Aster
Elenco: Florence Pugh, Jack Reynor, Vilhelm Blomgren, William Jackson Harper, Will Poulter, entre outros
Origem: EUA / Suécia / Hungria
Ano: 2019


Quando em 1857 Charles Baudelaire consegue publicar sua coletânea de poemas As Flores do Mal, e logo é penalizado e atacado pelos jornais da época, o que muito assustou segmentos mais conservadores da sociedade foi a dosagem crua de seu texto sobre paixões extremas, sensualidade e fascínio despidos de mitos ou narrativa. É a sensação para além da forma, abstrata em seu amálgama de direções na vida moderna das cidades, cada vez mais desprovidas de certeza.

Ainda que caminhando para um cenário inverso à loucura urbana, Ari Aster (Hereditário) dirige Midsommar: O Mal Não Espera a Noite (Midsommar) com o mesmo deslumbre macabro de alguns códigos místicos da beleza e da purificação, como as flores que ornamentam toda a trama, deslocando-os para um terreno malicioso e dúbio em plena luz do dia.

A protagonista, Dani (Florence Pugh), passa por uma tragédia familiar e seu único porto seguro é um relacionamento com indícios muito evidentes de falência. Seu namorado, Christian (Jack Reynor), nunca está de fato disposto a colaborar com sua melhora, mas está sempre ali porque não saberia se deslocar de um lugar confortável para ele. Nesse apego incerto o rapaz acaba deixando escapar uma viagem para a Suécia com um grupo de amigos, onde um dos colegas estudará rituais de solstício europeus num imenso descampado onde vive o clã familiar de um deles, Pelle (Vilhelm Blomgren).

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Gradualmente os hábitos e a rotina dos habitantes em meio ao andamento da cerimônia se tornam mais exóticos, ao ponto em que passam a ser moralmente questionáveis. Se de início eles seguramente tentam argumentar e explicar seus motivos culturais para promover eventos grotescos aos olhos dos turistas norte-americanos, logo desistem de qualquer convencimento, e a direção dos atores entrega-os a uma afetação até abobalhada onde tudo grita suspeita, mas os personagens já estabelecidos não parecem questionar a mudança inadvertida da escolha do diretor/roteirista e continuam assumindo certa normalidade.

Ao entrarem de fato naquele universo, a câmera contorce-se em ângulos inusitados para tomadas padronizadas (exemplo de uma viagem de carro pela estrada que lentamente vira de ponta cabeça) e o uso de alucinógenos promove distorções sutis na imagem, fortes o bastante para serem incomodas, mas disfarçadas o bastante para você duvidar de sua própria visão. Esses pequenos jogos enriquecem o desvínculo com a lógica que aquele cenário bucólico promove, corroborando para Ari Aster chegar a uma grata antítese de seu anterior e muito celebrado filme, Hereditário (2018), onde tudo é escuro e incerto.

Aqui, a fotografia anestésica de Pawel Pogorzelski (As Garotas da Tragédia) é clara, límpida, e incerta. O gore que despontava localizado no longa anterior aqui se promove muito mais, mas se mistura com a calmaria, nunca afetando pelo susto, mas pelo confronto entre a paz e a carne exposta.

Toda essa dualidade também se manifesta em Dani, em suas hesitações e recaídas para superar o luto, tanto de vidas quanto de seu relacionamento já se estendendo sem propósito. As flores que comemora também são flores de enterro que vão figurativa e literalmente animando-a, consumindo-a e contornando seu corpo em soluções de arte muito simples e riquíssimas para as imagens que a obra consegue. 

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Quanto ao desenvolvimento da trama, é muito interessante sempre que se carrega essa mitologia contemporânea da hostilidade estrangeira para lugares diferentes da África ou do Oriente Médio (gênero que o norte-americano projetou mundialmente nas últimas décadas após o 11 de setembro), reforçando preconceitos exóticos. Neste caso, uma Europa ancestral, pagã e nórdica. Poucas referências são feitas para localizar seus mitos, mas se referem durante o filme a Ymir, gigante da mitologia nórdica, e celebram iconografias de um Deus Sol.

O que arrasta o filme para baixo são as mudanças súbitas na atuação do grupo local e as soluções, por vezes bobas, para direcionar a conclusão mais óbvia possível de uma produção desse formato, onde os personagens vão sumindo aos poucos, seus corpos são encontrados e é revelado que os estrangeiros foram levados para lá enquanto oferendas. Mal chega a ser uma revelação de enredo falar sobre, pois é o bê-a-bá do que se concebe para Midsommar logo em sua premissa. E ele abraça este atalho sem muita crítica.

Bom

   

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