True Detective | 1ª Temporada


A luta entre o bem e o mal é facilmente apontada como uma das histórias mais antigas da humanidade, explorada incessantemente em diferentes contextos, mídias e plataformas. Nem sempre essa fórmula é aplicada com qualidade e/ou de forma responsável (sendo muitas vezes a base para a criação de heróis e vilões que alimentam o imaginário popular), mas no mundo do entretenimento ainda temos boas histórias a tirar como referência. E um ótimo produto que resultou dessa premissa é a primeira temporada da série antológica True Detective.

O primeiro ano do seriado se desenvolveu principalmente na abordagem de temas obscuros e de denso teor psicológico, envolvendo assassinatos em massa, rituais bárbaros e a relação conflituosa entre dois detetives com temperamentos bastante opostos. O desenrolar da investigação e as vidas de Rust Cohle (Matthew McConaughey) e Martin Hart (Woody Harrelson) são exibidos em passagens de tempo intercaladas, onde o roteiro de Nic Pizzolatto se destaca por manter a expectativa da audiência acerca dos altos e baixos da dupla e em mostrar como lidam com os próprios demônios em meio ao caos que os atinge.

Nosso primeiro contato com os detetives acontece por meio de entrevistas separadas, como se cada um estivesse falando diretamente com o espectador. Sabe-se de início que os dois não se falam mais, anos após solucionarem o assassinato de Dora Lange, o qual desencadeou na busca por um grupo que praticava rituais de abuso, estupro e assassinatos em uma cidade da Louisiana. Porém, a vantagem do público está em ultrapassar as fronteiras entre o que foi contado e o que de fato aconteceu, tanto na relação dos dois quanto sobre os desdobramentos do caso investigado.

Foto: HBO

Durante as quase oito horas da temporada, acompanhamos não somente o desenrolar das investigações, mas também a fragilidade das relações e o impacto visceral decorrente de diversos eventos traumáticos na vida dos personagens, ao mesmo tempo em que é realizada uma minuciosa construção comportamental e adentramos a psique dos mesmos. Hart é o policial de boa lábia, amigo de todos, que tem esposa e filhas, mas vive sabotando tudo o que construiu com suas atitudes violentas e adúlteras. Do outro lado, Rust é o resultado de diversas tragédias circunstanciais que moldaram a desiludida percepção que tem sobre a vida, comportando-se de forma totalmente alheia e pessimista em relação às pessoas a sua volta e à sociedade em geral.

A partir do ponto em que aparentemente define-se quem são os responsáveis pelo crime dos rituais, Cohle, Hart e família não encontram sossego. Os anos que se seguem refletem o impacto negativo consequente dos episódios violentos que ambos vivenciaram em tantos anos de polícia, e os efeitos negativos atingem diretamente suas relações interpessoais. É um interessante ponto que a série toca, pois é de se esperar um esgotamento por parte desses profissionais, ao lidar com tamanha complexidade em casos como o da Louisiana.

Como se não bastasse o ato violento em si, o crime dos rituais também põe em questionamento dois pilares básicos da condição humana à nível social: a religião e a política. A produção constrói uma enorme crítica a esses poderes, pois ambos são responsáveis por desempenhar papel fundamental de segurança para o ser humano, e são as ações abusivas e corruptas destas entidades que afetam de forma invisível o comportamento em sociedade. Os efeitos traumáticos são tão pesados que até mesmo os envolvidos com o ritual de Carcosa e O Rei de Amarelo também são, de certa forma, vítimas do poder que controla tais acontecimentos.

Foto: HBO

True Detective é um prato cheio pra quem curte identificar simbologias, metáforas e referências a obras de outros autores, sem perder o tom único que Pizzolatto trouxe para o mundo policial da televisão. Ao mesmo tempo que a trama instiga o espectador por sua lugubridade e por trazer inúmeras reflexões sobre a natureza humana, também somos impactados pela dura realidade que é viver regrado sob essa sombra manipuladora que determina tantas disfunções sociais.

É nesse ponto que a jornada de Rust e Marty se faz tão necessária. Por mais que os constantes conflitos temperamentais entre a dupla exibam o destoante comportamento que possuem ao formar esta improvável parceria, ambos possuem a crença em comum de que é possível fazer algo bom pelo mundo em que vivem, na tentativa de subverter esse poder intocável que gera trágicas ações (e reações) em cadeia. Por mais difícil que seja a jornada e suas consequências, os detetives não desistem dessa última centelha de humanidade que restou em suas vidas, e que reverbera como esperança na mente de quem acompanhou essa primeira temporada.

Excelente

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