CRÍTICA | Moana: Um Mar de Aventuras

Direção: Ron Clements e John Musker
Roteiro: Jared Bush
Elenco: Auli'i Cravalho, Dwayne Johnson, Rachel House, Temuera Morrison, entre outros
Origem: EUA
Ano: 2016

Desde seu anúncio, ainda em 2015, Moana: Um Mar de Aventuras (Moana) despertou atenção apreensiva por parte do amplo público que ainda tinha fresco na memória a última princesa indígena da Disney em um filme que envelhece cada vez pior. Os paralelos entre Moana e Pocahontas (1995) se estendem de maneira expressiva, ainda mais depois do lançamento da primeira.

Para além de elementos que fazem parte de todo o escopo multiplataformas multimilionário dos filmes do estúdio, como as canções ou os sidekicks animais engraçadinhos, as animações compartilham diversas outras semelhanças: a água como uma exaustiva metáfora para a liberdade, o desinteresse em assumir lugar como líder da tribo, a avó que funciona como guia espiritual, um desfecho que envolve empatia para conciliar lados opostos, e até mesmo o vilão gay-coded obcecado por ouro.

Moana nasce em um mundo onde Pocahontas e todos os seus problemas grosseiros também existiu. A despeito de todas as alegadas boas intenções da corporação Disney e um nada modesto projeto interno de recriar o fenômeno de aceitação não apenas comercial, mas crítico - que ocorreu em A Bela e a Fera (1991), Pocahontas é uma das demonstrações mais assustadoras de onde a capitalização desenfreada nos leva. A transformação de uma figura histórica sofrida em um desenho sexualizado - houve muita defesa por parte da equipe criativa da época de que isso atendia ao tom mais maduro da história -, mochilas, bonecas e toda sorte de produto licenciado é, no melhor dos casos, insensível aos povos nativos americanos.

Walt Disney Pictures
 
A recepção do filme foi morna e frustrante, mas o aprendizado se fez valer. O que interessa para nós é também observar onde Moana e Pocahontas se separam. A jovem personagem da tribo Motonui, nas ilhas da Polinésia, tem a ambição de viajar para além de sua ilha e desbravar o desconhecido, ainda que a cultura local veja esta peregrinação com péssimos olhos. Isso se dá devido a um mito longínquo sobre uma maldição que recaiu sobre as ilhas desde que sua deusa-criadora TeFiti teve seu coração roubado.

Quando uma perturbação parece ocorrer nos mares, Moana (Auli'i Cravalho) é incumbida de buscar a solução ao recorrer ao semideus Maui (Dwayne Johnson). Assim todos os fios necessários para urdir uma clássica trama de coming of age estão dispostos. Ainda que cabeças de departamento da produção de Moana sejam todos homens brancos e o filme mantenha certos estereótipos dos povos locais como piadinhas com coco, a contribuição de consultores habitantes das ilhas do pacífico aponta uma progressão boa desde o ponto anterior. A jornada da heroína principal não tem a ver com solucionar conflitos com uma cultura invasora, mas adentrar a sua própria e, em comunhão com as descobertas e ensinamentos de seus ancestrais, traçar uma ponte entre tempos que se torne caminho para o futuro - não a toa Moana se descobre descendente de viajantes.

Para isso, é fundamental que não houvesse qualquer personagem branco em cena, fazendo uma média com o público equivalente para amaciar a expiação de culpa racial. Não é uma história sobre brancos - ainda é contada, em boa parte, por brancos milionários, todavia -, mas sobre aquele povo desenvolvendo respostas tanto materiais quanto espirituais para seu próprio desenvolvimento. Tudo isso permite que a história seja muito mais genuína, emocionalmente envolvente e honesta.

Em um dos pontos mais baixos de Moana, sendo consumida pela frustração da derrota, sua avó lhe toma a mão para dizer que nada ali era sua culpa e que poderia voltar pra casa quando quisesse. Há uma beleza singular nesse diálogo que entende os caminhos de Moana como escolhas, não desígnios divinos (o que, ironicamente, filmes mais recentes do estúdio, não têm dado a mínima).

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Ao enfrentarem a força nefasta que atormenta a cosmologia daquele mundo, o monstro vulcânico Te Ka, Moana e Maui devolvem o coração e descobrem ser esta força implacável apenas uma faceta ferida de TeFiti, deusa criadora. O que poderia se tornar um ponto negativo na narrativa sendo um escalonamento de perigo mal resolvido, ingressa numa temática muito mais enriquecedora: as múltiplas imagens que assume essa potência sagrada e feminina em vista dos sentimentos que lhe são atribuídos.

Moana possuí toda a lista de marcações básica dos filmes de princesa da Disney: um pouco de drama de crescimento, músicas incríveis (vale lembrar como Tamatoa, dublado por Jemaine Clemant, sem prometer entrega uma das melhores canções de vilão de todos os tempos), comédia de parceiros (buddy comedy), busca por independência e domínio sobre a própria jornada. Ainda assim, sua recepção é ambígua por parte da crítica e a respeito dos sentimentos polinésios. É um reconhecido avanço, mas ainda uma etapa numa execução mais assertiva, que abrace temas cada vez mais urgentes para a juventude que consome as obras do estúdio, não apenas usando de discussões sociais em alta para "marketizar" e justificar a própria existência de algumas de suas obras.

Para finalizar, vale mencionar que evolução e progresso não são necessariamente uma curva ascendente definitiva e há pontos a se considerar, fatores externos e internos. São percepções que só tornam ainda mais preciosa a já existência de um filme tão sensível e com tantas camadas de entretenimento até apropriação cultural e desvinculamento social dentro de sua própria terra em função do colonialismo americano. Lilo & Stitch (2002) é maravilhoso mesmo.

Bom

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