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Gabriel Galvão
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Direção: Paul Thomas Anderson Roteiro: Paul Thomas Anderson Elenco: Alana Haim, Cooper Hoffman, Bradley Cooper, Sean Penn, Tom Waits, entre outros Origem: Canadá/Estados Unidos Ano: 2021 |
A parceria entre o diretor Paul Thomas Anderson (Trama Fantasma) e o trio de irmãs que compõe a banda HAIM já é uma história fascinante isolada. Ocorre que a mãe das meninas foi professora de inglês e contava com carinho histórias sobre um peculiar aluno falante que preenchia suas memórias da sala de aula. Anos depois, cativado pela música das meninas, o diretor consegue fazer o contato com elas e descobrir desta conexão que já os ligava muito antes do primeiro aperto de mãos.
Considero relevante esse acontecimento particular não só porque nos traz as irmãs como atrizes e o co-protagonismo da caçula Alana (Alana Haim), mas também pois o mesmo sentimento de encontro, nostalgia e euforia relatado é a solda que liga todas as entusiasmadas crônicas componentes de Licorice Pizza.
Enquanto há o fio condutor nítido da dinâmica de flertes e recuos entre Alana e Gary (Cooper Hoffman), nessa cronologia da paixão de ambos vai se camuflando uma história muito mais ampla sobre a Los Angeles dos anos 1970, seus encontros místicos com a oportunidade e com a realidade empedernida tudo no mesmo quarteirão. O cenário, o verão, a crise do embargo de petróleo, a presença de celebridades pornograficamente insanas, vão sendo observados pelo filme como que pela janela de um carro que pega a principal avenida e tenta descobrir um pouco de cada centímetro da origem daquela ebulição californiana.
Universal Pictures |
Enquanto Alana vive frustrada com as agruras de uma juventude já em vias de se desfazer no asfalto de responsabilidades que é o resto da estrada, Gary Valentine é uma infusão caótica de ânimo juvenil com a ambição ininterrupta de almejar grandezas e realizações profissionais de adulto. Os contrastes firmes entre os personagens não só corroboram suas caracterizações, mas estabelecem a fonte energética de sua dinâmica. Há algo em cada um deles que o outro busca absorver para si, uma fantasia invertida. De certa forma, ambos são pessoas oportunistas.
Gary tem um ouvido afiado para mudar de ramo ou investimento de acordo com o que vai lhe beneficiar mais. Seu comportamento é determinado, mas também volátil. Alana tem o mesmo foco em buscar algo para si antes de tudo - é isso que a liga ao menino, à princípio. Uma alternativa, uma curiosidade, uma tentativa de atirar mais alto e subir mais ao topo, mas interessada em angariar para si um propósito, uma motivação, algo pelo qual possa se firmar.
As provocações e seduções arrefecem e são retomadas convulsivamente num movimento sinuoso onde parte da dificuldade está além do que pode ser observado meramente na superfície, apontado sem muito questionamento como "problemático" e encerrar a conversa por aí. A ruptura clara na idade de ambos é um assunto constante do filme, afinal é também origem de conflito. Mas a direção do Paul Thomas Anderson não tenta justificar e muito menos recriminar seus personagens pelo envolvido e pela moralidade dúbia e imatura de suas decisões. Permite que observemos os personagens fazerem suas escolhas e elabora um panorama muito mais interessante do que uma resposta insípida sobre certos e errados num encontro entre pessoas. Em breve diálogo, uma das irmãs diz à Alana "é estranho se você pensar que é" quando pedida sua opinião sobre o tempo que Alana passa com adolescentes enquanto ela tem 25 anos. Tentar selar as emoções da jovem num ponto específico de uma bússola moral apenas desmembraria o quão interessante é uma personagem cheia de dúvidas e faminta por validação ao ponto de se enrolar com um garoto bem mais novo e bem mais confiante do que ela.
Universal Pictures |
Naturalmente, com uma estrutura quase de antologia de crônicas, o filme sofre certos percalços no seu senso de unidade. Certos momentos são melhores que outros, algumas histórias chamam mais para si, outras distraem completamente do que é o investimento emocional da obra. Como resultado Licorice Pizza é bem inchado, não tanto pelo tempo percorrido - a própria cinematografia invejável do Paul Thomas Anderson inclui filmes mais extensos, mas mais coesos -, mas pela repentina mudança de foco, elipses, e certas participações que parecem estar ali mais por puro exibicionismo do elenco encorpado que possui. Toda a sequência com o Sean Penn (Pecados de Guerra), por exemplo, não parece ter nada a oferecer ao final.
A trilha sonora também adiciona uma carga poderosa para diversos instantes - inclusive o título do filme é uma gíria para discos de vinil, um convite bem direto a uma jornada bem musicada -, mas tem como ônus deixar muito pouco silêncio em que se possa deixar o eco da experiência repercutir. E é curioso que, ainda com tudo isso, os materiais promocionais e as cenas com o nome dos atores nos créditos nos revelam ainda mais momentos e imagens carregadas que não sobreviveram ao corte final. Faz imaginar o quanto já não precisou ser editado para chegar até esse ponto.
Ao final, o embate constante entre ambições e materialidades de uma cidade que tanto sintetiza deslumbramentos quase etéreos de meritocracia não encontra resolução final, mas uma convergência bem-aventurada em que esse encontro pode tomar formas de ternura e cumplicidade. É um filme quintessencialmente estadunidense, mas com uma força vital tão adolescente que sua nostalgia vibra na memória mesmo de quem já é saudoso de tempos muito mais futuros que o retratado em Licorice Pizza.
Alana Haim
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