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Postado por
Gabriel Galvão
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Já fazem pouco mais de quatro anos que Homem-Aranha: No Aranhaverso (2018) chegou às salas de cinema com estrondo para ensinar à torrencial leva de filmes de super-herói que viriam sobre qual a essência de um herói, qual o apelo primordial dessas narrativas e porque elas ecoam com uma audiência tão vasta. Passado este tempo, vimos esse dever de casa sendo ignorado ao ponto que boa parcela do público, já viciado ao modelo de produção robótico de franquias, comenta com frequência sobre um suposto esfacelamento do tema. Assim sendo, restou à equipe de Aranhaverso, agora dirigida pelo trio Joaquim dos Santos, Justin K. Thompson e Kemp Powers (Soul), retornar às telas e elevar a provocação sobre os limites da animação como um veículo de histórias.
Sem fazer suspense, Homem Aranha: Através do Aranhaverso (Spider-Man: Across the Spider-Verse) é um espetáculo, do tipo que emociona não só pela qualidade irretocável de todos os seus aspectos técnicos e narrativos, mas também pela improbabilidade de algo tão cheio de vida, dedicação e humanidade ser criado em tempos onde as megaproduções corporativas reinam insensíveis e desinteressadas.
Este novo capítulo da jornada de Miles Morales (Shameik Moore) começa, na verdade, com a introdução de um arco emocional para sua parceira e paixão de outro universo, a Mulher-Aranha Gwen Stacy (Hailee Stenfield), se sentindo isolada e sem confidentes em seu universo, carregando o fardo da morte do seu Peter Parker e sendo antagonizada pelo seu pai, um chefe de polícia implacável na caça da super-heroína. Ao conhecer Miguel O'hara (Oscar Isaac), o Homem Aranha 2099, Gwen consegue a fuga perfeita do seu iminente conflito familiar e dá início a aventura ao lado do seu antigo amigo, dois anos depois dos eventos do primeiro filme.
Esta primeira sequência sozinha já é um evento que, em sua unidade, vale por toda a espera. Mesclando diferentes tipos de animação e pintura, um universo proeminente em rastros de aquarela e transformações de cor que ecoam as emoções internas, um vilão feito de desenho de pergaminho e um arco emocional eficiente, é uma espécie de epílogo monumental, mais poderoso que a totalidade do que empresários e algoritmos de qualidade têm lançado através de seus estúdios e disfarçado de filme nos últimos anos. Todo o segmento se torna importante também pelo paralelo que traz do dilema de Gwen com o dilema atual de Miles, agora com 15 anos, sobrecarregado com a ocupação de herói da vizinhança e incapaz de suprir as expectativas dos pais.
Ainda que a percepção ilimitada de experimentação artística e exploração dos sentidos provoque sempre o espectador a uma nova percepção da imagem, Através do Aranhaverso também exerce um controle magistral de seu ritmo, sabendo quando desacelerar, botar seus personagens para conversar com calma, introduzir as nuances de suas relações. Alguns dos momentos que mais tiram o fôlego em sua elegância são simples diálogos parados, sem o frenesi saltitante entre prédios que vem antes e depois. Seja Miles e Gwen conversando de cabeça pra baixo admirando a cidade enquanto compartilham de uma visão única sobre si mesmos, seja Miles e sua mãe cercados pelas barras de sustento de uma caixa d'água enquanto ela abre seu coração para ele e pede que nunca deixem diminuir e ferir a criança que ela criou com tanto amor.
Este pedido da mãe imediatamente vai estar à prova quando Miles descobre a sociedade secreta de variantes Aranha liderada pelo Aranha 2099 com a missão de proteger o multiverso. Miguel rejeita sua participação até que Miles força seu caminho nela, buscando interceptar o vilão Mancha (Jason Schwartzman), contudo piorando a situação ao evitar uma morte trágica de um capitão de polícia na frente de sua variante indiana. O que se torna o maior metacomentário do longa é justamente a motivação principal de Miguel O'hara, a preservação inquestionável da história, impedindo que as narrativas sejam corrompidas por mudanças. É o que ele vai chamar, tal qual a média de fãs conservadores da cultura pop, de estragar o que é cânone.
O grande trunfo empático de todo Homem-Aranha é o que tem de ordinário, sua qualidade mundana que permite a qualquer um ser um herói. Nesta sequência, esta colocação ganha dimensões insanas, mesmo para uma franquia que já tinha apresentado o Porco-Aranha. Assim como até um tiranossauro pode vestir a máscara, Miles assume seu emblema contra todas as adversidades de sua vida, aceitando sua missão. Mas agora, ele vai precisar defender seu lugar em seu universo diante de todos os outros Aranhas ao ser invalidado por Miguel enquanto precisa com urgência encontrar e parar os planos de Mancha antes que as consequências sejam fatais para todos.
O maior engasgo de Homem-Aranha: Através do Aranhaverso fica por conta de seu desfecho, somente porque as escalas dos eventos sobem numa crescente estratosférica para um clímax que nunca de fato chega, deixando o gancho do encerramento para ser resolvido em Homem Aranha: Além do Aranhaverso (já previsto para 2024), mas é nesta lacuna que entra em jogo o prólogo estabelecido por Gwen: a resolução de seu conflito familiar, da escolha de revelar quem realmente é para seus entes queridos. Esta conclusão pode chegar a ambos os personagens e permitir seu crescimento. Mesmo que a confissão de Miles encontre um novo problema logo em seguida, podemos ver o fechamento de um arco desenhado logo no começo, tornando mesmo este final em aberto uma história que se sustenta com os próprios pés em mundo frenético, colorido, mas principalmente vívido. É esse sentimento de que tudo ali pulsa com angústia, mas também esperança, com senso de comunidade, mas também o ardor do próprio indivíduo se provar, que preenche tudo com vitalidade inesgotável.
Miles Morales é o Homem-Aranha, quer o destino e o universo queiram, ou não. Cabe a cada personagem agora rumar o caminho em direção a sua própria verdade neste mundo.
Críticas
Gabriel Galvão
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Homem-Aranha: Através do Aranhaverso
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