CRÍTICA | As Horas

Direção: Stephen Daldry
Roteiro: David Hare
Elenco: Nicole Kidman, Julianne Moore, Meryl Streep, Toni Collette, Ed Harris, Claire Danes, Jeff Daniels e John C. Reilly.
Origem: EUA
Ano: 2002

“Encarar a vida
Sempre encarar a vida de frente
E vê-la como ela é
Entendê-la e amá-la pelo que ela é
Por fim, deixá-la seguir
Sempre os anos entre nós
Sempre o amor
Sempre as horas”
 
(Michael Cunningham - As Horas)

Se pudéssemos eleger o principal elemento que rege nossas vidas, provavelmente, o grande vencedor seria o tempo. Devido a sua natureza relativa, temos a sensação de que, dependendo da situação, as horas se convertem em minutos ou, ao contrário, os ponteiros do relógio se arrastam em uma lentidão sem fim. Essa é a abordagem que o diretor Steven Daldry (O Leitor) usou para retratar a história do longa norte-americano As Horas. Lançado em 2002, o filme conquistou o Oscar de Melhor Atriz e também foi indicado a Melhor Filme.

Baseado no livro homônimo de Michael Cunningham, a trama gira em torno da vida de três mulheres que, apesar de serem de épocas completamente diferentes, compartilham dois pontos em comum: a dor e o romance inglês Mrs. Dalloway. Todas as protagonistas vivenciam momentos de angústia, que mesmo tendo origens diferenciadas, resultam nas mesmas sensações de paralisia e de desesperança com relação ao futuro. Para aquelas mulheres, o tempo parou, tornando-se fonte de uma tortura infindável.

No ano de 1923, em Sussex, a escritora Virginia Woolf (Nicole Kidman) começa a escrever seu livro (Mrs. Dalloway), enquanto tenta se acostumar com a vida pacata do interior da Inglaterra junto ao seu marido. O casal vivia em Londres, porém, devido aos graves problemas psicológicos da mulher, eles se mudam, por prescrição médica, fugindo do agito da cidade grande. Já em 1951, período do pós-guerra, Laura Brown (Julianne Moore), típica dona de casa americana, encontra na leitura da obra de Woolf uma válvula de escape da infeliz vida que tem ao lado do marido e de seu filho de cinco anos. Por último, Clarissa Vaughan (Meryl Streep), moderna editora de livros, dos anos 2000, personifica a própria Clarissa Dalloway, tanto pelo trocadilho com o nome quanto pelas ações que imitam as da mocinha do livro.


A questão central do filme é a maneira como as protagonistas lidam com o sofrimento, muitas vezes silencioso, que está presente nas suas vidas. Nesse sentido, é possível perceber uma grande diferença entre Laura e Clarissa em comparação com Virginia. A autora inglesa conhece sua dor e é vitima declarada dela. Por sofrer com episódios de alucinações e longos períodos de depressão, Virginia foi “exilada” do convívio social, tendo nos seus livros a sua única ocupação. Já a doença de Laura provém, principalmente, da pressão social para ser a esposa e mãe perfeita e se manifesta de forma implícita, tanto que a personagem não compreende sua dor. Ela vive os tempos do “american way of life”, nos quais os sonhos das mulheres, para além do casamento e da família, eram deixados de lado em prol de uma vida dentro dos padrões esperados pela sociedade. Por outro lado, Clarissa Vaughan, apesar da aparente felicidade, esconde certa vulnerabilidade e apatia em seu relacionamento amoroso. Além disso, sua dedicação total ao amigo, e antigo amor, Richard (Ed Harris) demonstra que ela ainda está presa ao passado.

A direção ágil de Steven Daldry merece destaque, pois conseguiu ligar as três histórias através de gestos dos personagens e movimentos da câmera. Vários acontecimentos narrativos relacionam, não somente os diferentes períodos históricos, como também a narrativa paralela do romance Mrs. Dalloway, por exemplo, os personagens de Miranda Richardson (em 1923) e Jeff Daniels (em 2001) que chegam mais cedo para um compromisso e testemunham manifestações emocionais das anfitriãs. 

O filme nada seria sem as comoventes interpretações de Julianne Moore (Para Sempre Alice) e Meryl Streep (Dúvida) que, na medida certa, conseguiram criar a identificação do público para com as suas personagens. A “cereja no bolo”, sem dúvida, é a atuação de Nicole Kidman (Lion), que com o figurino e a maquiagem muito bem feitos, tornou-se irreconhecível nas telas e personificou com excelência Virginia Woolf.

Um longa consegue abordar um tema tão delicado quanto a depressão de forma sensível, levando o público a sentir a angústia das protagonistas ao enfrentar "as horas".

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