CRÍTICA | A Quietude

Direção: Pablo Trapero
Roteiro: Pablo Trapero
Elenco: Martina Gusman, Bèrènice Bèjo, Edgar Ramirez, Joaquín Furriel, Graciela Borges, entre outros
Origem: Argentina / França
Ano: 2018


O novo filme de Pablo Trapero (O Clã), A Quietude (La Quietud), é um drama cheio de controvérsias em seu núcleo familiar. A memória ditatorial é contemplada com o “silêncio” característico da época da censura. O autoritarismo patriarcal constrói as personagens femininas e a imagem masculina rege a vida dessas mulheres, questionando relações, personalidades e segredos, sendo nos pontos não falados que reside a estranheza da família Montemayor.

A história se passa quase toda no rancho da família, que tem o mesmo nome que intitula o longa, um irônico contraponto com toda a turbulência que se dá por trás dos muros que os cercam. Ela se desenrola após o AVC do pai, com a filha mais velha, Eugenia (Bérénice Bejo), voltando de Paris para visitá-lo, mesmo sem parecer ter tanto apreço assim por ele, e passar um tempo com a mãe e a irmã. Nascida na França durante o tempo em que os pais ficaram fora da Argentina por conta da ditadura militar (tema que, inclusive, é abordado no filme em vários diálogos e em uma das principais reviravoltas do enredo), a jovem acaba construindo sua vida no seu país de origem, para a infelicidade de sua irmã Mia (Martina Gusman), que sente a sua ausência.

E a ausência paterna rege a história desta família da mesma forma que o autoritarismo argentino dos anos 60 e 70. A sua falta interliga os personagens e extrai distúrbios e problemas de cada um. Este silêncio que permeia estranhamente a vida desses familiares, com muitas coisas não ditas, desde traições entre irmãs até um incesto aparentemente revisitado da juventude. Silêncio que cala as irmãs e a mãe, o trio que, como diz o título, nesta quietude esconde tantas informações que alimenta a narrativa progressivamente, costurada pelos segredos.

Foto: Sony Pictures

Não por acaso, as duas atrizes escolhidas para as personagens se parecem muito fisicamente, ao ponto de, em algumas cenas, ficar difícil saber quem é quem. A diferença mais gritante fica na personalidade. Enquanto Mia é mais fechada e depressiva, Eugênia se destaca por ser livre e provocante, do tipo de mulher que tem carisma e ambição para conseguir tudo o que quer.

A força narrativa do filme reside justamente na sutileza de seus detalhes. É um jogo de contrapontos que alia família, política e história em um pacote só. Para isso a obra conta com essa trama inicial simples que vai se desdobrando aos poucos. E através de pequenas reviravoltas, que não precisam de muito diálogos, o espectador aos poucos vai entendendo qual a real dinâmica dessa família.

A relação das irmãs possui traços interessantes e ousados. O incesto claramente não é bem visto, mas é construído em uma cena específica e exposto destemidamente com uma beleza estrutural que não se torna pornográfico, e sim um ponto de ligação das irmãs a ser compreendido e a ser visto além do sexo. 

O ambiente em si conversa plenamente com o enredo, silenciado pela ditadura presente na casa, enclausurado pelo sufocamento causado pela mãe. Pedaços específicos que são bem trabalhados pelo diretor Pablo Trapero, guiando a atuação de seu trio de atrizes para um círculo vicioso em um aglomerado de problemas pessoais, lidando com a temática da ditadura como alegoria para sua história quase que subjetivamente devido à sutileza empregada.

Trapero é econômico demais em seu roteiro, porém compensa com um trabalho visual muito mais interessante, onde até as frequentes quedas de energia no suntuoso sítio da família é usado com economia, mas muita pertinência.

Foto: Sony Pictures

Tudo que não é dito em A Quietude vai se revelando ao espectador como um tapa na cara. É uma forma intensa de manter um drama pertinente o tempo todo intercalando com momentos de plena calmaria em meio ao nada. Os segredos que essa família esconde não são o verdadeiro escândalo, mas a forma como eles lidam com isso. O subjetivo funciona inteiramente e possui mais representatividade do que alguns possam perceber, especialmente para os brasileiros.

Assim, ainda que tenha algumas reviravoltas e cenas de sexo desnecessárias, A Quietude é um filme marcante pela sua sensibilidade, pelo seu grito silencioso e pela sutileza abordada em temas polêmicos. Trapero vai no mais profundo da mente humana, a ponto de tocar em tabus, e gerar incômodo, o que afinal é o propósito da arte.

Bom

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