CRÍTICA | Vidas em Jogo

Direção: David Fincher
Roteiro: John Brancato e Michael Ferris
Elenco: Michael Douglas, Sean Penn, Deborah Kara Unger, entre outros
Origem: EUA
Ano: 1997



Em Vidas em Jogo (The Game), David Fincher (Seven: Os Sete Crimes Capitais) desafia seu protagonista para uma espécie de partida contra a realidade, mas estende a participação nesse tabuleiro entortado para que o espectador também possa mover suas peças.

O jogo ao qual o título original faz alusão tem um sentido tanto diegético quanto metalinguístico. Sobre o primeiro caso, temos nossa atenção orientada para o banqueiro Nicholas Van Orton (Michael Douglas), um homem discreto cuja profissão envolve tomar decisões e controle sobre o destino de muitas pessoas subordinadas a ele. Ao redor do filme também descobrimos como essa natureza de controle está espalhada por seu passado em forma de fracasso, seja com a ex-mulher ou com o irmão Conrad (Sean Penn). Nicholas é convidado pelo irmão, como presente de aniversário, para se inscrever num jogo que ocorre na vida real, com mais detalhes sendo omitidos.

Atiçado por comentários que convenientemente escuta sobre o jogo, Nicholas vai até a empresa responsável e se inscreve por meio de um questionário extenuante, como se estivesse montando um avatar em um RPG. Em pouco tempo eventos improváveis e surreais passam a ocorrer exclusivamente com ele. A televisão se comunica diretamente com ele, passa a receber chaves e itens misteriosos, é perseguido, alvejado e conhece uma mulher atraente (Deborah Kara Unger) em circunstâncias surreais. 

Nicholas é introjetado em tempo real na dinâmica caótica de diversos elementos comuns ao cinema estadunidense, constantemente vigiado e incerto do que possa ser real ou manipulação. Aos poucos descobre que não é possível confiar em ninguém enquanto tenta se salvar desta situação e descobrir o que essa empresa quer com ele.

Polygram Filmed Entertainment

Como não nos é revelado nada sobre a natureza desse jogo, a ambiguidade que percorre o longa é claramente um desafio não só com seu protagonista, mas com o espectador. O que virá a seguir? O que faria sentido aqui? Qual resposta você quer para explicar tudo isso?

Até o fim somos sobrecarregados com dúvidas e twists consecutivos de roteiro que desmontam qualquer terreno sólido para fixar os pés. Antes, é como se fosse uma flutuação entre probabilidades numa história que pode vir a se tornar qualquer coisa. "O Jogo" também soa como uma forma espertinha e cínica do diretor se referir ao próprio cinema enquanto linguagem e instrumento para tocar a realidade.

Ao redor da obra é levantada a hipótese de tudo que o protagonista vive (sequestro, tentativa de homicídio, furto, falsificação de documentos, por aí vai) não passar de parte da brincadeira proposta pelo irmão, contudo os riscos cada vez mais elevados e a escalada hiperbólica de riscos jogam Nicholas para várias direções diferentes até a revelação final chegar.

Vidas em Jogo é um filme que estruturalmente está muito menos interessado em te convencer de sua realidade do que acusar sua própria suspensão de descrença constantemente, rompendo qualquer imersão e fazendo-se sentir os quatro lados do aspect ratio que o cerca. De maneira distorcida esse é um thriller brincalhão sobre cinema e sobre terminar uma história. O que pode vir de mais fraco dessa construção é justamente a sensação de que o filme está confuso sobre si mesmo e elaborando uma resposta a cada novo desafio apresentado, tornando a conclusão definitiva menos engraçada e divertida do que poderia - não é uma produção para se levar a sério demais, ainda que todo longa-metragem com investimento de algumas dezenas de milhões de dólares se leve a sério o bastante para querer seu investimento de volta.

Polygram Filmed Entertainment

Ainda assim, a sequência final de Vidas em Jogo envolvendo todos os coadjuvantes do "jogo" ao qual aderimos, em conjunto com Nicholas, se divertindo numa festança de encerramento das filmagens é uma síntese psicologicamente distorcida e deslumbrada com o que o cinema oferece na frente e atrás das telas.

Bom


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