CRÍTICA | Black Clover: A Espada do Rei Mago

Direção: Ayataka Tanemura
Roteiro: Johnny Onda, Ai Orii e Yuuki Tabata
Elenco: Gakuto Kajiwara, Nobunaga Shimazaki, Toshihiko Seki, entre outros
Origem: Japão
Ano: 2023

Black Clover, obra em quadrinhos da autoria de Yuuki Tabata, é um caso curioso de produto com tudo para dar errado, mas que ascende ao sucesso pela própria convicção. Em um período no qual o excedente sem precedentes de obras disponíveis para consumo de entretenimento trouxe a tendência por buscar narrativas menos convencionais, a obra se firma como um compilado pouco mastigado de todos os tropos já conhecidos para o seu gênero e demografia. A jornada de um jovem (neste caso, Asta) rejeitado pelo mundo, mas que não deixa isso abatê-lo e trilha com otimismo seu sonho de alçar ao topo da sociedade que antes o excluiu é o bê-a-bá de décadas de franquias de ação para meninos nas revistas japonesas. Claro, em última instância, é parte dos fundamentos de estruturas eternas de narrativa, mas que a produção pouco faz para disfarçar sua simplicidade. Contudo, talvez seja essa também a fonte de sua luminosidade contagiante, celebrada com toda potência pelo filme Black Clover: A Espada do Rei Mago (Black Clover: Sword of the Wizard King) lançado recentemente pela Netflix.

A trama basilar da série trata de Asta (Gakuto Kajiwara), um menino sem magia em um mundo onde ela é a própria definição do seu valor individual. Contudo, através do próprio esforço, ele consegue ingressar na ordem de cavaleiros mágicos que protege o Reino de Clover. Ele é incorporado ao esquadrão de Touros Negros, os párias dentre os cavaleiros, um grupo formado por desajustados onde Asta encontra grandes amigos enquanto mantém sua rivalidade com o irmão de criação e mago prodígio, Yuno (Nobunaga Shimazaki). Ambos almejam o posto de Rei Mago, a figura militar mais relevante daquele reino e um símbolo de proteção e patriotismo. Contudo, os antagonistas deste longa vão ser justamente um contraponto à essa posição, se tratando de um grupo de ex-Reis Magos liderados por Conrad Leto (Toshihiko Seki).

Pierrot/Netflix

Cronologicamente, os eventos do filme podem ser encaixados em algum lugar após o encerramento da Saga dos Elfos e antes do efetivo início do Arco do Reino de Spade, pois há menção da situação do Asta como um exilado político por possuir poder do demônio de Anti-Magia dentro dele. Isso se torna relevante não só para pontuar o espaço-tempo da história, mas para acrescentar nos paralelos e discrepâncias que marcam o embate entre o protagonista e o vilão da história. Mesmo tendo salvado o reino, Asta foi renegado e visto com preconceito e desdém por elites de Clover, uma situação exemplar de excluído que faz Conrad se identificar, uma vez que sua principal motivação é solucionar a discriminação e a estratificação social. O problema é que a solução apresentada por ele é exterminar todas as pessoas e ressuscitar apenas as que ele considerar dignas para uma sociedade mais justa.

Novamente, Black Clover é muito afeito a simplicidades. Ele parece inclusive resistir a qualquer movimento orgânico da história de se complicar e intervém para que esteja tudo muito óbvio e claro, sem zonas cinzas. Seus vilões carregam o estigma cada vez mais recorrente de personagens que apresentam um argumento razoável, mas oferecem soluções absolutamente absurdas para que se torne possível antagonizá-los. Superficialmente, o discurso do filme mal se sustenta, mas para diversas camadas além, é uma narrativa infanto-juvenil sobre acreditar no poder dos laços que você construiu e não desistir. Não é tão difícil se deixar levar pela ingenuidade proposta, pois graças a seu elenco de apoio (e grande trunfo) as relações soam autênticas, mesmo que o mundo ao redor não.

Consciente disso, o longa de quase duas horas busca dar um lugar ao Sol pra quase todos os seus personagens, mesmo os mais impossíveis de nomear de cabeça, enquanto ainda introduz novos. De forma impressionante, ele mais ou menos consegue executar essa tarefa e em meio a sequências deslumbrantes de animação de ação, tem espaço para todos brilharem um pouco, muito focado em elevar a experiência do fã prévio com piscadelas incessantes.

Seguindo os rumos da sua animação serializada, o filme é bastante inconstante na qualidade de sua animação, variando entre enquadramentos espaciais de tirar o fôlego e composições desastrosas onde nenhum dos elementos desenhados parece estar na mesma dimensão. Mesmo com essas insuficiências, Black Clover: A Espada do Rei Mago consegue sustentar uma base cativa de entusiastas que certamente vão tirar proveito da animação. Fica mais evidente que esse é o coração da obra, esta inocência de estrutura, de texto e de caracterização, que conquista pelo carisma e carinho depositado em seus personagens pelo seu autor e pelos animadores responsáveis. Não é o bastante para desviar a atenção da fragilidade de sua condução, ainda mais quando tentam disfarçar decorando seus antagonistas com flashbacks vagos e sem qualquer aprofundamento que piscam na tela rápido para justificar uma empreitada genocida.

Pierrot/Netflix

No fim do dia, Black Clover: A Espada do Rei Mago não quer que você pense demais a respeito. Apenas torce para que você vibre junto ao Asta e reflita com sua própria força de vontade: minha magia é não desistir! Fica a critério do espectador se deixar conduzir por essa magia também.

Bom


Comentários