CRÍTICA | O Escândalo

Direção: Jay Roach
Roteiro: Charles Randolph
Elenco: Charlize Theron, Margot Robbit, Nicole Kidman, John Lithgow, Kate McKinnon, Malcolm McDowell, entre outros
Origem: EUA/Canadá
Ano: 2019


Todo ano a temporada de premiações conta com um punhado de filmes em que o elenco é bom demais para ser verdade, a história é super interessante e os trailers te deixam impaciente e ansiosa para assisti-los. Até que você enfim assiste ao longa... e ele acaba não sendo nada demais.

Bem, esse é o caso de O Escândalo (Bombshell). 

O enredo é baseado em fatos que chacoalharam o mundo do telejornalismo estadunidense, quando Roger Ailes (John Lithgow), antigo CEO da rede de notícias ultra conservadora Fox News, foi acusado de assediar sexualmente diversas mulheres que integravam seu time profissional. O caso aconteceu no ano de 2016 e resultou no afastamento de Ailes. Além disso, também fez com que as histórias chegassem ao público. Algumas delas são as de Megyn Kelly (Charlize Theron) e Gretchen Carlson (Nicole Kidman), dois rostos poderosos e conhecidos nas telinhas dos Estados Unidos. 

O roteiro é assinado por Charles Randolph, que ganhou destaque nos últimos anos por escrever obras como A Grande Aposta (2015) e Vice (2018), ambos dirigidos por Adam McKay (Tudo Por um Furo). Com isso, é possível perceber a tênue linha de papéis entre direção e roteiro, já que com a linguagem e os temas abordados por McKay, o trabalho de Randolph alcança o pico desejado no público. A experiência da acidez, do sarcasmo escancarado e o didatismo, bem como as quebras de quarta parede para tornar a narrativa mais compreensiva ao público, dão certo para falar sobre jargões econômicos ou sobre a vida de um ex-vice presidente. Trazer este tom aos casos de assédio arrancou a sensibilidade do assunto, levando-o ao lugar cômico em que Jay Roach (Um Jantar Para Idiotas), diretor aqui, está habituado a atuar.

Foto: Paris Filmes

Roach conduz o longa de forma preguiçosa, com recursos batidos como o enquadramento com leves zoom-ins e gravadas com uma propositalmente tremida steady cam. Já a edição dinâmica e os cortes secos se apoiam no realismo da fotografia de Barry Ackroyd (Guerra ao Terror), tentando levar o tom e a estética de televisão ao filme. Em teoria, faz sentido. Na prática, porém, soa como uma escolha artística saturada, deixando o ritmo da narrativa ainda mais arrastado.

Outro problema grave é o ponto de vista apresentado. Apesar da seriedade do assunto, o roteiro se coloca superficialmente no ponto de vista da vítima. Se o roteiro fosse apresentado a uma diretora mulher, ele teria saído do papel da maneira como foi planejado? Será que ao menos ele chegou a ser apresentado a uma cineasta? Não deveria uma mulher ter uma visão aprofundada do assunto, já que foi com elas que o fato ocorrera? Talvez tenhamos aqui uma questão de gênero a se pensar. Se não, vale o exercício de questionamento. O fato é que O Escândalo teria ganhado maior verossimilhança, caso tivesse sido dirigido por alguém que poderia facilmente (e infelizmente) ter sido vítima da situação retratada.

Nem mesmo o empenho de Charlize Theron (Casal Improvável) consegue salvar o filme, mas como sempre vale destacar o trabalho da atriz. Em todo o tempo que está em tela sua presença é colossal. O trabalho de maquiagem garantiu que Theron ficasse irreconhecível. Soma-se a isso o trabalho de voz empregado pela atriz e o resultado é impressionante, tamanha a semelhança com Megyn.

Das três protagonistas, Margot Robbie (Era Uma Vez em... Hollywood) é a única fictícia. Sua Kayla Pospisil é uma amalgama de várias mulheres reais e seu arco nos apresenta, do ponto de vista da vítima, como funcionava e quais efeitos tinham as ações predatórias de Ailes. A atriz passou meses fazendo pesquisas para o papel e entregou uma potente performance.

Foto: Paris Filmes

Intérprete de Gretchen, Nicole Kidman (De Olhos Bem Fechados) acaba desperdiçada. O que não faz muito sentido, já que trata-se da primeira jornalista a falar publicamente sobre o assédio sofrido por Ailes. No filme, sua versão fictícia é colocada de escanteio da mesma maneira que foi na vida real. Até mesmo o trabalho de maquiagem foi menos empenhado para dar à Kidman o mesmo efeito impactante que foi dado à Theron. Aparentemente apenas uma peruca e o figurino bastaram. 

O Escândalo não deixa de fazer parte da série de filmes que buscam representar histórias reais sobre mulheres. Ele pauta muito bem a relações entre as profissionais do gênero e as lideranças abusadoras, além de evidenciar o sexismo e o incentivo da rivalidade entre mulheres no trabalho, criando ambientes tóxicos. Assim, é um ponto de identificação importante, tornando-se um possível impulsionador na vida de diversas espectadoras. Afinal, a arte também tem esse papel. 

Uma pena que Roach pareça mais interessado em entregar uma cópia da "receita" de McKay do que em tornar sua abordagem forte o suficiente para expor uma linguagem autoral ao público. Com isso, deixou passar uma grande oportunidade de entregar uma obra de fato relevante, tornando-se um ponto de referência, como já fizeram filmes como Monster: Desejo Assassino (2003), Spotlight: Segredos Revelados (2015) e The Post: A Guerra Secreta (2017).

Regular

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