CRÍTICA | Politécnica

Direção: Denis Villeneuve
Roteiro: Jacques Davidts
Elenco: Maxim Gaudette, Sébastien Huberdeau, Karine Vanasse, entre outros
Origem: Canadá
Ano: 2009


A adaptação de fatos para o cinema é uma característica que sempre atrai a atenção do público, além de ser um enorme desafio para os profissionais envolvidos por conta de inúmeros fatores importantíssimos que definirão a qualidade e o resultado final da obra. Dentre alguns pontos cruciais está a escolha da fonte de informações que servirá como base para o roteiro, uma pesquisa minuciosa sobre a veracidade dos fatos e quais serão os pilares que formarão a reconstituição da história, o envolvimento das pessoas para a definição dos personagens e aquelas que foram afetadas direta ou indiretamente pelo caso.

Cada trama terá suas peculiaridades e o caso de Politécnica (Polytechnique) é bastante específico, por conta de sua origem trágica e extremamente violenta. É neste ponto de sua carreira que Denis Villeneuve (Redemoinho), após quase 8 anos em hiato, tem sua primeira grande missão como diretor ao retratar o massacre ocorrido na Escola Politécnica de Montreal no final da década de 1980, que resultou na morte de 14 mulheres, 28 feridos, e o suicídio do assassino.

O anúncio após a cena inicial é importante para entendermos como ocorreu o processo de realização da obra. Em respeito às vítimas e familiares, o roteiro de Jacques Davidts (Próximo Piso) opta por utilizar personagens fictícios inspirados nos testemunhos dos sobreviventes do massacre. A partir daí, somos levados a acompanhar três arcos narrativos: a elaboração da carta e últimos momentos do assassino até a consumação do ato; a relação entre duas amigas que estudam engenharia mecânica na escola onde ocorre o crime; e um colega de classe dessas mulheres que presencia toda a situação.

Foto: Imovision

É bastante impactante entrar na mente do rapaz (Maxim Gaudette) que estava prestes a cometer tamanha atrocidade, especialmente pelo argumento apresentado. Por meio de uma narração em off, ouvimos o conteúdo que motiva a execução do crime: o ódio que o homem sente pelo movimento feminista. A perturbada apatia que o jovem descreve ter se tornado sua vida nos últimos anos é o suficiente para entendermos que ele está determinado a abrir mão de sua vida desde que, antes, mate mulheres, as quais ele acusa de "abusar" de privilégios e ocupar o espaço que "pertence" ao homem na sociedade.

Enquanto isso, Val (Karine Vanasse) e Stephanie (Évelyne Brochu) moram juntas e são estudantes de engenharia mecânica da instituição, onde a predominância masculina é evidenciada em diversas sequências. Há uma cena fundamental para entendermos como essas estudantes são vistas no mercado de trabalho: durante uma entrevista de estágio de Val, tornamo-nos cúmplices do machismo estrutural exposto naquela conversa. De forma didática, o roteiro responde ao ponto de vista do assassino sobre seu problema com o feminismo, mostrando quão distorcida é a mente do rapaz que se vê como "vítima" em uma sociedade predominantemente machista. Dali em diante, podemos esperar o pior.

O colega de classe é o pequeno ponto fora da curva que amplifica a discussão proposta pelo roteiro. Após presenciar a morte de suas colegas de escola e se ver de mãos atadas diante da tragédia, Jean-François (Sébastien Huberdeau) representa a pequena parcela daqueles que tentam reagir diante das atrocidades diárias. Embora suas ações tenham intenções claramente positivas, ele está inserido de forma indireta no grande problema social da questão. A câmera de Villeneuve acompanha o estudante após o ocorrido, totalmente acometido pela culpa de não ter impedido o assassino, embora o silêncio daqueles que apenas correram sem olhar para trás diga muito mais sobre a nossa sociedade.

Foto: Imovision

A montagem não se limita a uma estrutura narrativa cronológica, o que serve muito bem à história e ao peso deixado para o desfecho. É evidente o cuidado de Villeneuve em não "pesar a mão" em cenas que possam cair no rótulo da violência gratuita, embora a escolha por determinadas cenas pareçam deslocadas ou sem função para a história em alguns momentos.

Outro destaque é a fotografia em preto e branco de Pierre Gill (Blade Runner 2036: Despontar do Nexus), certeira ao retratar a frieza daquelas execuções, ao mesmo tempo que também entrega um alívio ao espectador que não precisa ver o vermelho cintilante para sentir o extremo desespero das vítimas do atentado.

Mesmo com uma duração de 77 minutos, o sentimento é que Politécnica demora a acabar, tamanha a vontade de que toda aquela violência doentia termine o quanto antes. Embora o incômodo seja parte essencial da história contada, o alívio final com o encerramento de outra narrativa em off surpreende por sua resiliência e fica na cabeça por dias.

Ótimo

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