CRÍTICA | A Mulher Rei

Direção: Gina Prince-Bythewood
Roteiro: Dana Stevens
Elenco: Viola Davis, Lashana Lynch, John Boyega, Sheila Atim, Thuso Mbedu, entre outros
Origem: EUA/Canadá
Ano: 2022

“A importância desse filme para pessoas pretas é que elas têm a chance de serem vistas de forma que nunca foram vistas antes. Nosso poder não é visto, nossa beleza não é vista, nossa complexidade não é vista. [...] Com as Agojie, as mulheres pretas veêm o seu valor. Tudo vem de um lugar de se sentir digna. É muito importante que as mulheres pretas vejam que podem liderar uma bilheteria global sem precisar da presença de um homem, sem precisar da presença de pessoas brancas. São apenas elas. Você tem que sentar com essas lindas mulheres de pele preta escura por duas horas e seis minutos e ficar interessados nas vidas delas. E isso significa tudo para nós.”

Viola Davis (A Voz Suprema do Blues), que recentemente visitou o Brasil para a divulgação de A Mulher Rei (The Woman King), resumiu perfeitamente - em coletiva de imprensa - a importância desse projeto não apenas para ela e para as mulheres pretas, mas também para o cinema como um todo. A atriz afirmou que quis fazê-lo para que as mulheres negras pudessem se reconhecer na tela grande, e nos primeiros minutos de projeção conseguimos ver que esse filme é, sim, pura potência. Em seu enredo, em seu elenco, em sua equipe técnica, entregando ao espectador um longa-metragem épico de ação e guerra, digno de premiações.

Baseada em um contexto histórico, a trama nos apresenta o reino de Daomé, no oeste africano de 1823, quando as Agojie eram sua principal força militar. Elas, inclusive, serviram de inspiração para as Dora Milaje, a brigada feminina que protege Wakanda em Pantera Negra (2018). Lideradas por Nanisca (Viola Davis), as Agojie defendem o território e o jovem rei Ghezo (John Boyega) da invasão dos rivais Oyé. Elas atacam vilarejos adversários e levam prisioneiros que são vendidos para os portugueses como escravos, sendo a principal fonte de renda do local, o que não é bem-visto por todos, principalmente por Nanisca.

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Com a chegada de uma nova aprendiz chamada Nawii (Thuso Mbedu), as Agojie se preparam para enfrentar o maior desafio de todos: parar o tráfico humano e dar fim à trégua com os Oyé, o que significa guerra. Em A Mulher Rei temos guerreiras que são poderosas e habilidosas, mas que não são retratadas apenas como super-heroínas invencíveis ou artificiais. O roteiro de Dana Stevens (Paternidade) as retrata como seres humanos, com frustrações e sonhos, dores e traumas.

Ao mesmo tempo em que Gina Prince-Bythewood (A Vida Secreta das Abelhas) dirige com firmeza cenas de ação bem coreografadas, dinâmicas e hipnotizantes, também há espaço para entendermos as motivações e os sentimentos de cada personagem, captados com delicadeza pela cineasta, especialmente suas dores. Como Viola mencionou, esse não é um filme de ação, mas sim um drama histórico com ação.

Ainda que todo o aspecto técnico esteja impecável - especialmente a cinematografia de Polly Morgan (Um Lugar Silencioso: Parte II), que enaltece os cenários africanos, ressaltando os tons terrosos dos figurinos e cenários, entregando cenas dignas de serem vistas na grande tela - é a importância e a potência dessa história, que é diferente, nova e interessante; o grande diferencial da obra. Em uma Hollywood que vive de repetições, remakes e adaptações, surge esse longa todo filmado na África, com personagens africanos, que é um privilégio e um frescor necessário.

Julius Tennon (Vozes Que Inspiram), marido de Viola e produtor do filme, também participou da coletiva de imprensa e falou sobre a importância de contar essa história, que levou sete anos para ficar pronta:

“É importante contar essa história porque ela nunca foi contada antes. E contá-la pode significar o início de vermos mais mulheres nesses papéis poderosos e incríveis. Nós fizemos isso e agora temos uma oportunidade para que talvez mais histórias como essas sejam contadas [...] Esse tipo de filme PRECISA fazer dinheiro. Quando eles fizerem, aí eu espero que iremos ver uma proliferação desse tipo de narrativas.”

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Outro aspecto que se destacada em A Mulher Rei é o elenco. Todas as atrizes brilham na mesma intensidade, em sintonia, criando uma química impressionante entre as Agojie. Thuso Mbedu (The Underground Railroad: Os Caminhos Para a Liberdade) entrega uma performance primorosa. A atriz sul-africana faz sua estreia no cinema hollywodiano ao viver a teimosa e rebelde Nawi. Enquanto seu arco cresce em tela, sua expressividade crescendo junto, mostrando preparo, autonomia e muito dinamismo em sua atuação.

Lashana Lynch (Capitã Marvel) e Sheila Atim (Doutor Estranho no Multiverso da Loucura), que vivem Izogie e Amenza respectivamente, também se destacam. Lynch é uma das atrizes mais promissoras que surgiram nos últimos anos, trazendo um tom de leveza à trama em suas cenas com Nawi. Já Atim vive a melhor amiga de Nanisca e seu outro braço direito. Com uma atuação extremamente convincente, se encarrega de garantir os momentos mais emocionantes do filme.

Mas a dona da produção é, claro, Viola Davis. Assumindo também o papel de produtora, Viola emprega sua habitual e absoluta presença de tela, que é garantia de imponência para sua protagonista. Cada momento da atriz em A Mulher Rei é um acontecimento e carrega uma carga emocional potente. Ela transita sensivelmente entre emoções, representando essa mulher poderosa e imbatível, mas cujas cicatrizes são expostas pela reiteração dessa brutalidade. Ela estufa o peito diante do inimigo, porém desaba quando está sozinha. Os altos e baixos vividos por sua personagem nos comovem e movimentam a narrativa. E além da árdua preparação para viver Nanisca, com horas de musculação intensa e artes marciais, Viola ainda aprendeu o dialeto falado em Daomé.

Segundo a própria atriz, e fazendo correlação com sua protagonista, não é mais aceitável as pessoas não enxergarem as mulheres pretas, porque elas têm valor como qualquer um:

“Eu quero que as mulheres pretas sejam humanizadas assim como todos os outros. E se vocês estão realmente comprometidos com a inclusão e a erradicação do racismo, esse é o primeiro passo para fazer isso.”

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No fim, a atmosfera criada por A Mulher Rei é de grandiosidade. Ao longo de mais de duas horas, a construção da atmosfera e da jornada pela cultura e legado do reino de Daomé é tão interessante quanto necessária. Com um olhar sensível da direção e do roteiro, cenas de lutas extremamente bem coreografadas destacadas por uma cinematografia de tirar o fôlego e performances impecáveis do elenco, o resultado final é um filmaço em muitos sentidos. Certamente o maior deles é o fato de ser uma reverência à cultura africana e sua rica história.

No pós-crédito, temos um singelo tributo às vítimas de racismo mais recentes que impactaram o mundo, como o caso de George Floyd. Nas palavras de Viola:

“As pessoas precisam ver para acreditar. E acho que isso acontece com A Mulher Rei. As pessoas estão sendo afetadas pela história, pela representatividade e uma vez afetado, é difícil voltar ao que era antes. Isso é o que acredito e no qual tenho esperança."

Excelente


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