O Show de Truman e o sadismo dos reality shows


Sempre que há uma oportunidade eu bato na tecla e digo novamente que, se tem uma palavra que consegue definir o ser humano, essa palavra é "sádico". Claro, é meu pensamento. E acredite quando eu digo que dói, toda a vez que eu faço essa afirmação. Apesar de pensar assim, sou muito positiva e gosto de acreditar no melhor das pessoas, isso porque, particularmente, acredito que nós não nascemos bons, afinal, somos animais e lutamos todos os dias para ir contra isso, pelo bem da sociedade. É meio triste, mas é a minha visão. 

O que me preocupa mesmo é que, com o passar dos anos, parece que nós esquecemos de ser bons. Mascaramos nossa maldade para que isso seja aceito sem sermos julgados. Como fazemos isso? Transformamos algo ruim em algo "normal" e divertido! Por que estou falando tudo isso? Bom, na minha opinião reality shows são formas bonitas de tortura. Tudo por um bem maior que é o entretenimento.

Vamos pensar sobre isso por um segundo. Como o próprio nome diz, é um programa real. Na teoria.

Isso é impossível de acontecer, já que nós mudamos nosso comportamento quando estamos sendo observados, todo mundo sabe disso. O problema é que, em diferentes níveis, o que esses programas fazem é "testar" os limites dos participantes, fazendo com que o "mais forte" sobreviva. É como se toda aquela história de não nos comportarmos como animais seja jogada no lixo. E eu sei o que você deve estar pensando agora: "é tudo fingimento, interpretações". Talvez sim, talvez não, mas isso não muda o fato de que o espectador é sádico.


O maior exemplo que posso dar agora é aquele novo reality show: A Casa. Vários participantes tem que ficar em um espaço em que cabe apenas algumas pessoas, então acabam ficando em situações extremas como, por exemplo, não ter lugar para dormir. O que mais chama a atenção é que os participantes devem fazer compras com o dinheiro do prêmio final, em preços exorbitantes, induzindo-os a optar por não gastar. E veja bem, eu não estou aqui para para julgar se você assiste programas assim, mas não tem como negar que é sim uma forma de sofrimento. E qual palavra define quando você sente prazer em ver outra pessoa sofrer? Exatamente.

Falando novamente e reforçando, não estou aqui pra julgar ninguém. Como disse no começo, o ser humano é sádico e isso inclui a todos, inclusive eu. Também gosto de assistir a reality shows, mas não me orgulho tanto desse feito, pois sei que há sim muitas brigas causadas pelos showrunners. Afinal, o que eles mais querem é audiência.

O que isso tudo tem a ver com O Show de Truman?

Tudo. Isso porque Truman é um homem aparentemente comum com uma vida perfeita, no entanto, não sabe que é o protagonista de um reality show em que sua vida é transmitida 24 horas por dia, desde o momento em que nasceu. Ele suspeita que algo está errado quando, já com seus 30 anos, uma luz do set de filmagem que é sua cidade, cai do céu e seu pai, que teoricamente estaria morto, aparece e fala com ele. A partir daí nota que tudo gira ao seu redor e que tudo que o envolve não passa de um ambiente especialmente planejado. 


Apesar das diversas tentativas de fazer Truman achar que está apenas ficando louco, o personagem não desiste e vai até o fim para descobrir a verdade. É interessante ver o contraste do início do filme, quando o criador do programa e dois atores nos falam um pouco sobre O Show de Truman, com a metade de trama, onde vemos toda a equipe envolvida com o programa fazendo de tudo para que Truman esqueça aquilo e continue sua vida. O longa também pode ser interpretado como uma questão sobre liberdade.

E é aquela questão clássica: "até onde somos livres?". E também sobre nosso direito de mexer com vidas que não nos pertencem. Todos os atores que participam do mundo de Truman sabem o que acontece e colabora com toda a farsa. Os telespectadores assistem tudo aquilo como verdadeiros stalkers. E só pelo fato do protagonista não ter escolhido estar ali e nem ao menos saber o que se passa, deixa tudo muito triste e assustador. Apesar de ter um ar mais cômico, que aliás não era a ideia original, já que a primeira versão do roteiro de Andrew Niccol tinha um tom de thriller, não é difícil enxergar toda a parte obscura dessa história.

É pra lá de Black Mirror quando você para para pensar no que está acontecendo ali. Assim como nos reality shows que existem em nossa realidade, os showrunners constantemente mexem com o psicológico de Truman, "matando" seu pai em uma viagem de barco para que ele tivesse medo do mar e não quisesse sair da ilha; querendo que ele acreditasse que fosse louco ao pensar que tudo girava em sua volta; não o deixando se apaixonar por quem ele quisesse. Truman é um verdadeiro "boneco de Christof", que não sente nenhum remorso por nada. Assim como os telespectadores que são alimentam tudo aquilo sem nem ao menos questionarem se é correto privar um ser humano do mundo real.

Fico horrorizada como nós nos sentimos no direito de mexer com a vida das pessoas. E agora nem estou falando só dos reality shows, afinal, não é segredo que em diversos locais de trabalho existem abusos psicológicos ou mesmo físicos, há casos de diretores de cinema que não ligam para seus atores e só querem fazer seus trabalhos de forma egoísta. Quando você para para pensar, os reality shows são só a ponta disso tudo. O que me assusta de verdade, é abraçamos diversas coisas horríveis no mundo de boa vontade.

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