CRÍTICA | Extraordinário

Direção: Stephen Chbosky
Roteiro: Stephen Chbosky, Steve Conrad e Jack Thorne
Elenco: Jacob  Tremblay, Julia Roberts, Owen Wilson, Izabela Vidovic, Mandy Patinkin, entre outros
Origem: EUA / Hong Kong
Ano: 2017


“Quando tiver que escolher entre estar certo e ser gentil, escolha ser gentil.”

Essa é uma das lições significativas em Extraordinário. Todos sabemos que o período escolar nunca é fácil, mas independentemente dos problemas enfrentados, há um grande aprendizado sobre como se portar em sociedade, e a adaptação do livro escrito por R.J. Palacio aborda exatamente esta questão. Em uma realidade tão complexa, rodeada por todo tipo de preconceito, chama a atenção como essa obra busca levar algum conforto ao seu espectador. 

O livro, assim como o longa, vem de uma leva de histórias que relacionam a adolescência a questões mais sérias, ligadas, sobretudo, a uma questão de saúde, seja o câncer, a depressão ou até mesmo uma má formação do rosto. Filmes e livros como As Vantagens de Ser Invisível, A Culpa é das Estrelas e agora, Extraordinário, aliam essa narrativa pesada e dramática com uma lição de moral extremamente clara ao público.

Aqui a obra retrata a vida de Auggie Pullman (Jacob Tremblay), que nasceu com uma síndrome genética rara. Como consequência, o menino tem deformidades faciais severas e, apesar de ter feito 27 cirurgias, não houve muito o que se pudesse fazer para mudar sua aparência. No entanto, não demora muito para que fiquemos encantados por todo o esforço de Auggie para ser feliz.

Paris Filmes

Jacob Tremblay, que conquistou o mundo como protagonista de O Quarto de Jack (Room, 2015), volta às telas de cinema como esse garotinho igualmente adorável, fã de Star Wars. A trama acompanha a adaptação do menino à nova rotina escolar, já que até então era educado em casa pela mãe. 

Como era de se esperar, o roteiro aborda a questão do bullying e seus efeitos, exigindo do protagonista um alcance dramático difícil para atores mirins. Nesse ponto, Tremblay mostra o motivo de toda a atenção que vem recebendo, encarando o desafio e roubando para si toda a atenção do espectador. Trata-se de uma escolha precisa que, aliado ao excelente trabalho de maquiagem, apresenta um personagem absolutamente encantador, seja nas angústias ou nos momentos de ironia. E são nos pequenos momentos, na postura cabisbaixa, no modo de falar e no olhar sereno, que encontramos um retrato verdadeiramente doce daquela infância inquebrável, apesar dos desafios que enfrenta. Um dos momentos mais singelos da obra é quando Auggie se imagina percorrendo os corredores da escola vestindo seu traje espacial.

O filme é dirigido por Stephen Chbosky (As Vantagens de Ser Invisível), que também assina o roteiro ao lado de Jack Thorne e Steve Conrad. Os três encontraram um meio-termo entre a dor e a felicidade que, personificados em uma criança, comovem o espectador, de uma forma ou outra. Essa mistura de história inspiradora, com um personagem desfavorecido numa jornada de crescimento, com um apelo afetivo e totalmente próximo a nossa realidade, faz com que esse tipo de obra tenha um grande poder atrativo.

Quando falamos de crianças, há um espírito de esperança concreta, onde prevalece uma mensagem de superação. A questão não é a doença em si, ou como isso torna aquele personagem diferente, mas sim como isso é presente no íntimo de cada espectador. A imaginação e o humor têm esse propósito, trazendo situações que enriquecem o longa. Às vezes, Auggie imagina uma situação absurda para contornar as dificuldades, ou faz piadas com seu amigo Jack Will (Noah Jupe), que nos libertam de qualquer sentimento de pena, evidenciando o quão comum é a infância do protagonista.

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Ao criar algumas situações inéditas a trama original, Chbosky consegue trazer um certo tom lúdico a obra. Outro ponto positivo no roteiro, foi a divisão da história em capítulos, assim como no livro. Há muito acontecendo ao redor de Auggie e o diretor nos mostra os diferentes pontos de vista de todos que o cercam. A trajetória do menino é o eixo central na trama, mas dar atenção às pessoas ao seu redor mostra que todos temos problemas, grandes ou pequenos. Assim como seus pais, a irmã de Auggie, Via (Izabela Vidovic), enfrenta questões típicas da adolescência, e o fato de sempre viver às sombras do irmão mais novo, o que pode ser demais para uma menina da sua idade. Neste aspecto, o longa ganha relevância ao ressaltar a individualidade dos jovens a partir de suas angústias pessoais, e essa diversidade traz camadas adicionais de envolvimento.

Por outro lado, é importante ressaltar que cada subtrama possui uma relevância diferente. Em comparação a Jack Will, por exemplo, Summer (Millie Davis) ganha repentina importância na narrativa, sem receber o mesmo aprofundamento que o amigo de Auggie recebe. O mesmo ocorre com o professor Browne (Daveed Digs), que se baseado no livro, deveria ter uma participação mais significativa.

Mas, sem dúvida, devemos dar créditos ao elenco. Julia Roberts (O Casamento do Meu Melhor Amigo) interpreta a mãe de Auggie, e nos presenteia mais uma vez com seu enorme talento, recaindo sobre sua personagem todos os maiores dramas do filho. Muito do que o filme oferece emocionalmente vem dos sentimentos da relação entre mãe e filho que ambos compartilham. Já Owen Wilson (Marley & Eu) consegue aliviar o clima tenso de determinados momentos com suas piadas bobas de paizão. Enquanto a mãe é a autoridade da casa que, conscientemente, largou tudo para cuidar do filho, o pai é o sujeito divertido, tranquilo e que evita exercer a função de autoridade. Ninguém melhor que os dois para esses papéis. 

   

Durante sua luta diária para ser aceito, Auggie cruza com alunos de sua nova escola. Alguns o recepcionam de maneira gentil, outros atingem um nível de crueldade que indigna qualquer um. Apesar da pouca idade, os jovens protagonizam cenas complexas, com diálogos inteligentes e não se esquecem da graciosidade que os caracteriza. 

Extraordinário é um filme que foge do retrato simples da criança diferente enfrentando um mundo hostil. É claro que há ensinamentos que parecem ter saído de um livro de auto ajuda, mas esse elemento funciona para ratificar a mensagem do longa, que acaba parecendo pouco realista. No entanto, talvez seja essa a intenção do diretor, trazer esse universo fictício, utópico e imaginativo, como a cabeça de Auggie, apresentando uma história inspiradora e esperançosa para o mundo. 

É uma obra madura e necessária, que deveria ser assistida por todo tipo de público. Equilibra bem as mensagens construtivas com o carisma de um bom elenco, uma direção cuidadosa e um roteiro bem adaptado, que dosa com competência e sensibiliza os inevitáveis momentos emocionais de sua trajetória. Em períodos conturbados como o que vivemos, elementos técnicos e roteiros mirabolantes não devem ser mais importantes que mensagens de compaixão, aceitação e amizade. 

Ótimo

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