CRÍTICA | Sem Fôlego

Direção: Todd Haynes
Roteiro: Brian Selznick
Elenco: Oakes Fegley, Millicent Simonds, Julianne Moore, Michelle Williams, entre outros
Origem: EUA
Ano: 2017


Na febre de filmes e séries com o protagonismo infantil, como Extraordinário ou Stranger Things, surge essa adaptação sensível e inclusiva que é Sem Fôlego (Wonderstruck), sobre duas crianças que vivem em épocas diferentes, mas passam por situações muito parecidas. O livro que inspirou o longa-metragem foi escrito por Brian Selznick, que é autor de outro sucesso que de elementos semelhantes, A Invenção de Hugo Cabret, adaptado para o cinema por Martin Scorsese (O Lobo de Wall Street) em 2011. 

Dessa vez, Todd Haynes (Carol) é o responsável pela direção, intercalando a história em duas linhas narrativas paralelas. Na primeira, que se passa em 1977, o protagonista é Ben (Oakes Fegley), que fica abalado com a perda da mãe num acidente de automóvel e tem a constante dúvida de não saber quem é seu pai. Ao buscar uma pista sobre ele no telefone, é atingido por um raio e acaba ficando surdo. Na segunda, a figura central é Rose (Millicent Simonds), surda de nascimento, que enfrenta problemas de relacionamento com o pai e passa boa parte do seu tempo colecionando artigos de uma atriz consagrada de Hollywood, Lillian Mayhew (Julianne Moore), sua mãe.

Haynes cria rimas expressivas entre essas duas histórias, pontos de encontro que aos poucos estabelecem um elo cuja essência principal se baseia no mistério. A surdez não é o único aspecto em comum entre as crianças, mas o fato de serem em certa parte abandonados pelos pais, e de irem sozinhos a Nova York a fim de encontrá-los. 

Foto: H2O Films

No âmbito da linguagem, se sobressai principalmente o uso do cinema mudo para exemplificar esse mundo sem som vivido pelos personagens. É um recurso bem feito, especialmente a partir da fotografia em preto e branco e da encenação teatral. Já os anos 70, são caracterizados pela excelência da direção de arte, dos figurinos e penteados chamativos da época da contracultura.

Outro elemento que tem grande poder em um filme, em parte, mudo, é a trilha sonora. A música de Carter Burwell (Bravura Indômita) transmite manipulação sentimental e se comporta como personagem durante toda a obra, pontuando épocas, sensações, perigos, dramas e reviravoltas, envolvendo o espectador na temática. Por outro lado, a trilha nas cenas de Rose é mais clássica, teatral e caricata nas reações. Quando vemos o universo de Ben, escutamos musicas disco, black-power, “hip hop”, que mixa “Assim Falou Zaratustra”, de Richard Strauss. É mais intensa, mais catártica e excessivamente sentimental.

O roteiro é bem pensado, mas deixa a desejar em seu desfecho. A articulação, não apenas das linhas temporais distantes, mas também das semelhanças entre elas, é fundamental para o filme. No entanto, na medida em que a história avança, a busca de Ben ganha espaço e, por consequência, temos menos Rose, o que enfraquece o todo, pois são justamente nos momentos da menina, em seu mundo silencioso, que a obra cresce em personalidade e ousadia. 

Foto: H2O Films

Um livro de curiosidades é a chave para desvendar o enigma. Já o Museu de História Natural é o cenário em que a trajetória dos protagonistas flui. Ajuda bastante nesse processo o carisma dos atores mirins, sobretudo Millicent Simonds (Um Lugar Silencioso), que ilumina a telona com seu sorriso.

Embora haja uma magnífica simbologia criada entre a maquete de Nova York e a pessoa que interliga os mundos com suas ações, o longa possui uma insuficiência dramática que torna o desfecho uma mera formalidade para não permitir questões soltas, o que não deixa de ser decepcionante. Soa como uma cena pensada exclusivamente para relacionar a história com a frase de Oscar Wilde: “Estamos todos na sarjeta, mas alguns de nós contemplam as estrelas”. E, por mais que seja algo extremamente bonito de se ver, perde sua relevância comparado ao restante do filme. 

Diferente do que título nacional sugere, Sem Fôlego é uma obra com um ritmo mais lento e gradual, mas que consegue manter a atenção de quem se interessa por esse tipo de história sensível e catártica. Um filme que se faz valer a pena por capacidade criativa e sensibilidade.

Bom

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