CRÍTICA | Morto Não Fala

Direção: Dennison Ramalho
Roteiro: Dennison Ramalho e Claudia Jouvin
Elenco: Daniel de Oliveira, Fabíula Nascimento, Bianca Comparato, Marco Ricca, entre outros
Origem: Brasil
Ano: 2018


É reconhecível a expansão do cinema nacional que está nos levando para novas veredas de produção, alcançando uma receptividade que permite explorar gêneros com mais ambição estética. Com co-produção da Globo Filmes, Morto Não Fala consegue paradoxalmente ter e não ter cara de televisão. Não tanto pela separação que consegue fazer do veículo, mas muito pelo fato de que estão embutidos diversos filmes neste único.

Stênio (Daniel de Oliveira) é um legista dos horários noturnos que opera cadáveres com a habilidade paranormal de conversar com eles. Sendo a sua maior companhia e praticamente a única fonte de vida e interação, os mortos sob um efeito de voz medonho, que contam seus segredos à ele. Mesmo infeliz em sua rotina, com um cheiro de putrefação que se torna camada nova da sua pele, o protagonista está situado numa rotina ainda mais deplorável, quando sujeito de casa, passivo diante dos desmandos e abusos verbais da esposa Odete (Fabíula Nascimento) e sem qualquer vínculo com os filhos.

Quando descobre por meio de um cadáver o adultério cometido por sua mulher, utiliza dos segredos que obteve dos falecidos para orquestrar o assassinato do amante. O tiro sai pela culatra, sua mulher é morta ao lado do affair e na porta de casa, além de Stênio ter angariado para si a fúria de entidades demoníacas que agora buscarão destruí-lo.

Foto: Cada de Cinema de Porto Alegre

Em dado momento o personagem cria amizade com Lara (Bianca Comparato), filha do amante de sua mulher, ao perceber o quão destruída sua vida ficou com a morte do pai, oferecendo que ela pudesse cuidar de seus filhos enquanto ele trabalha de noite. O que é bom no personagem de Lara é também o que é ruim. Sua história não é nada importante, mesmo quando tenta ser, na narrativa principal, se torna artifício para o protagonista desvendar o meio pelo qual enfrenta o fantasma de sua ex-mulher. Ainda assim é a personagem mais rica em atuação, alcançando o que seria o tom perfeito para a obra, numa mistura resiliente de estupefação e estupidez. Pena que o diretor Dennison Ramalho (Encarnação do Demônio), com algum currículo já em filmes do gênero, não percebe isso, sujeitando outros ótimos atores a olhos esbugalhados e sobressaltos inopinados.

Morto Não Fala tem dois grandes problemas que angaria para si: o tema e o timing.

Primeiro porque, de um filme com uma premissa provocativa e suja, que reforça a situação da saúde pública do país, como cenário impecável para o gênero (vide O Rastro, de 2017), vamos sendo direcionados para um filme de possessão demoníaca. Logo de início sabemos que não haverá explicação para Stênio ter seus "poderes", mas quando as manifestações macabras de fantasmas vão acontecendo de múltiplas formas, capazes de teletransportar, destruir, arrastar, manchar, alucinar, fica difícil de acreditar que na sequência final, que seria a consumação da ameaça que rodeia o longa, o perigo seja uma mera perseguição. Por não estabelecer quais são as regras deste universo, ao mesmo tempo que afunila as possibilidades para que os personagens tenham alguma chance de sobreviver, tudo acaba soando muito conveniente ao roteiro.

Foto: Casa de Cinema de Porto Alegre

Segundo, a parte mais desconcertante, a causa e consequência andam coladas sem um único segundo de transição que permita o espectador entender o que está acontecendo, como o tabuleiro está definido. Se em uma cena Lara aceita o convite de ficar na casa de Stênio, no mesmíssimo instante um corte nos leva para ela sofrendo as consequências dessa escolha. Isso se repete o filme inteiro, movido pela ânsia de assustar, usando de todas as baixarias dos filmes mais genéricos de terror, como a mixagem de som com picos elevados repentinos, os jump-cuts com criaturas medonhas, toda sorte de maquiagens que compense o peso de uma revelação previsível. Isso exaure o espectador, especialmente quando até um levantar brusco da cadeira é editado de forma a tentar te assustar. Se o público está o tempo todo de sobressalto, possivelmente ficará irritado sem saber bem o porquê.

Quando o longa termina, tantos mecanismos diferentes foram sorteados para decorar aquela trama que o gosto é de um compilado de esquetes assustadoras, mas nenhuma condução dramática ou unidade fica de rejunte. Uma pena, pois algumas sequências que brincam com medos clássicos e próprios da brasilidade (um emaranhado de cerol de pipa mortal, um espírito que arrasta a cabeça para dentro do forgão com gás ligado) trazem ânimo criativo. Poderia ser o caminho mais divertido para Morto Não Fala, que, mesmo com suas limitações, ainda é uma tentativa estimulante de brincar e invadir novos territórios com o cinema nacional sem medo (nesse caso com algum).

Regular

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