CRÍTICA | Greta


Direção: Armando Praça
Roteiro: Armando Praça
Elenco: Marco Nanini, Denise Weinberg, Démick Lopes, Gretta Sttar, entre outros
Origem: Brasil
Ano: 2019


A Grande Família foi um dos seriados brasileiros que mais se destacaram na história da televisão. Durante 13 anos, uma vez por semana, a TV Globo exibia os episódios que retratavam de forma caricata as famílias de classe média do Brasil. Foi lá que o ator Marco Nanini (Lisbela e o Prisioneiro), que não era nenhum novato e já se destacava no teatro e no cinema, teve sua imagem consolidada ao grande público como Lineu, o pai de família ranzinza e carrancudo dos Silva. 

As sacadas ácidas e as frases que fogem do politicamente correto – que arrancam gargalhadas pelo absurdo e pela ironia – não se assemelham em nada ao seu personagem na produção brasileira Greta.

No primeiro longa-metragem do cearense Armando Praça, Nanini é escalado para viver Pedro, um enfermeiro gay de 71 anos que tem como musa a atriz Greta Garbo. Sua amiga, a artista transexual Daniela (Denise Weinberg), descobre que tem pouco tempo de vida, uma reviravolta para a vida do protagonista. Para além do enredo, essa doença e os decorreres dela tocam nas feridas de uma sociedade que insiste em marginalizar, sistêmica e institucionalmente, sua população transexual, travesti e transgênero.

Esse premissa também remete a filmes como Tangerina (2015) e Uma Mulher Fantástica (2017), que também têm esse recorte. 

Foto: Pandora Filmes

É em meio aos corredores cheios e escuros do hospital é que Pedro conhece Jean (Démick Lopes), um homem agressivo que dá entrada no atendimento acompanhado pela polícia. Os pedidos de ajuda para fugir não intimidam o protagonista e se tornam chave do segundo enredo do longa, que se aprofunda nos vazios da alma. E, na percepção de Pedro, o que pode supri-los.

Greta vai em contrapartida dos principais pilares que regem as produções de maneira geral atualmente. Isso no sentido de que não se preocupa em mascarar a passagem do tempo. Enquanto grande parte dos filmes LGBTQ+ escolhem a descoberta na juventude, aqui a velhice e a solidão se tornam temas centrais.

Aos 71 anos, assim como seu personagem, Nanini se despe em frente dos olhos e se apresenta, talvez, como nunca fez antes. Seu corpo não é cheio de músculos, seu rosto tampouco é esticado ou coberto por camadas de maquiagem. As marcas do tempo estão ali, sem retoques, para que sejam vistas. Nas palavras do próprio ator, durante coletiva de imprensa em São Paulo:

“Eu já tinha um desejo de mostrar o meu envelhecimento físico para os espectadores, porque eles me viram jovem. Nada mais justo que me vejam velho.”

A profundidade está nas vulnerabilidades colocadas à tona: o medo de ficar só; o medo de não ser amado; o medo de sentir que não pertence a determinados lugares. Apresentá-las em um homem mais maduro (e, portanto, considerado mais “bem resolvido” nesse sentido) é também outra maneira de se despir.

Foto: Pandora Filmes

A relação de Garbo no longa é um ponto de transição e o incansável desejo de tudo que o protagonista deseja ser. “Me chama de Greta Garbo”, ele pede aos seus possíveis amantes, uma esperança de aceitação mesmo que no imaginário.

“O Pedro carrega como um mantra a frase ‘I want to be alone’ [dita por Garbo em Grande Hotel (1932)]. Ele também vê nela aquela ilusão da felicidade americana, a face de estrela. Por fim, se descobre através dela.”

O roteiro de Greta foi adaptado livremente dos palcos ao cinema, um processo que levou mais de 10 anos. “Greta Garbo, quem diria, acabou no Irajá”, de Fernando Mello, é um texto que pode arrancar risos e gargalhadas no teatro. Essa reação do público colocou a pulga atrás da orelha de Armando, que se incomodava de ver as pessoas rirem de um homem que estava buscando amar e ser amado, como todos nós. Durante a criação do roteiro, acrescentou melodrama e existencialismo ao texto.

Ganhador de três prêmios no Cine Ceará e estreante em mais de 20 festivais internacionais, incluindo o Festival Internacional de Berlim, Greta surge em um pano de fundo social e político cambaleante e ameaçador para o setor audiovisual nacional. O longa foi rodado há dois anos, motivo pelo qual Armando não previu seu lançamento na atual verve política:

“Mas desde o princípio foi um filme político. Esses personagem estão sendo cada vez mais invisibilizados, não só isso, mas violentados e mortos, inclusive. É mostrar que essas pessoas existem e devem ter o direito de existir da maneira como elas são.”

Ótimo

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