CRÍTICA | O Homem Duplicado

Direção: Denis Villeneuve
Roteiro: Javier Gullón
Elenco: Jake Gyllenhaal, Mélanie Laurent, Sarah Gadon, Isabella Rossellini, entre outros
Origem: Canadá/Espanha/França
Ano: 2013


Denis Villeneuve (Os Suspeitos) é um dos diretores mais aclamados da atualidade, algo que se consolidou após comandar obras como A Chegada (2016) e Blade Runner 2049 (2017). Alguns anos antes, porém, ambicioso e ousado, coube a ele a adaptação do complexo livro de José Saramago, publicado originalmente em 2002: O Homem Duplicado (Enemy)

A obra conta a história de Adam Bell (Jake Gyllenhaal), um professor de história que fica cada vez mais paranoico após descobrir acidentalmente a existência de um sósia seu, o ator Anthony St. Claire (Gyllenhaal), assistindo a um filme qualquer. Então, ele cria uma obsessão e resolve ir atrás dele em uma trama de suspense e mistérios que envolve a todos, inclusive sua namorada Mary (Mélanie Laurent) e a esposa Helen Claire (Sarah Gadon).

"O caos é apenas uma ordem que espera para ser decifrada."

A frase que abre o longa explicita a intenção de Villeneuve em explorar o tema psicanalítico da busca da identidade através do nosso espelho, ou seja, nós mesmos. Busca, assim, estudar o perigo de confrontar nossos desejos mais íntimos. Esse é o caos. O que precisa ser decifrado é sua própria vida.

Foto: Imagem Filmes

Essa busca da identidade através do espelho ocorre quando Adam encontra seu sósia. A curiosidade por causa do inusitado (e, por que não, assustador?) faz com que as vidas dos dois se misturem em uma teia formada por percepções confusas entre realidade e ilusão. Teia essa que se relaciona com a simbologia das aranhas no filme, com um papel fundamental para compreensão da mensagem que a obra quer passar. Aos espectadores, cabe montar um quebra-cabeça para descobrir o que há de realidade na trajetória dos personagens, se é que existe uma resposta para esse enigma.

Villeneuve comanda tudo isso com maestria, devido ao seu talento para criar suspense e situações misteriosas. O Homem Duplicado se desenvolve em ritmo lento, com uma atmosfera opressiva e desconfortante que explora os horrores dos homens.

O roteiro adaptado por Javier Gullón (Em Busca de Vingança), é hábil em ser o mais fiel possível ao universo criado por Saramago, alterando apenas o necessário (como nomes, por exemplo) e mergulhando, ainda mais, em simbolismos e analogias para dar vida às ideias da obra original. O argumento traz a reflexão sobre o inconsciente, principalmente o medo da perda de controle sobre ele e o quanto é possível lidar com isso e a nossa identidade

Assim, a cinematografia de Nicolas Bolduc (Marcas do Passado) e a trilha sonora de Danny Bensi (Sibéria) e Saunder Jurriaans (Ozark) têm papel fundamental nessa ambientação. Enquanto a fotografia apresenta tons amarelados e uma atmosfera sufocante aliada a uma iluminação sombria; a trilha sonora é soturna e enigmática, remetendo ao surrealismo e aos sonhos, por vezes lembrando os filmes de David Lynch (Cidade dos Sonhos).

Foto: Imagem Filmes

Não estamos falando aqui de uma obra fácil, o que pode desagradar quem não estiver propenso a se desafiar e adentrar em um clima abstrato. Villeneuve cria um ambiente sufocador, com uma constante clausura de seu protagonista, como se vivesse preso nesse ambiente, nesse mundo sem liberdade, em sua dualidade. O diretor nos leva à agoniante paranoia de conhecer alguém idêntico a você, o que te faz perder a noção do que real ou ilusório.

Jake Gyllenhaal (Marcados Para Morrer), por sua vez, soa como a escolha perfeita para o papel, já que é um dos mais versáteis atores da atualidade. Ele se encaixa perfeitamente ao interpretar os sósias, conseguindo expressar toda sua obsessão, medo e paranoia sobre tudo que o rodeia. Como Anthony ele nos passa a confiança que Adam provavelmente deseja ter. Uma vida que ele de certa forma cobiça, e essa é a maior diferença de personalidade de ambos.

Dennis Villeneuve propõe com O Homem Duplicado uma reflexão sobre a identidade repleta de simbolismos e analogias, envolvendo intimidade, desejos inconscientes e culpa. Tudo isso conduzido em uma trama de obsessão e mistério sufocante e opressiva. Um estudo complexo sobre a psique humana.

Ótimo

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