5 Motivos Para Você Assistir | I May Destroy You


Quando houve o anúncio da parceria entre BBC e HBO para produzir uma série encabeçada por Michaela Coel (Chewing Gum), automaticamente criei expectativa. I May Destroy You estreou em julho de 2020 com algum hype em sua primeira (e provavelmente única) temporada nos dois canais. Ao longo da exibição semanal dos episódios, o seriado deu o que falar por abordar temas bastante delicados sem pudor e com um diálogo criativo e acessível ao público, mas sem nos poupar de uma dolorosa montanha-russa de sentimentos vivida pela protagonista Arabella (Coel), vítima de estupro logo no episódio de abertura.

Abaixo eu listo 5 motivos para você assistir I May Destroy You, uma produção que tornou-se necessária e atemporal em tudo que se propõe discutir.

 MICHAELA COEL 

Quando alguém perguntar se você conhece alguma artista que domina tudo o que faz, lembre-se deste nome: Michaela Coel. Ela é cantora, compositora, poeta, roteirista, diretora, produtora e atriz. A londrina de 32 anos tornou-se conhecida após transformar um monólogo de teatro na série de comédia Chewing Gum, que foi hit na Netflix entre 2015 e 2017. Depois de dois anos no streaming, Coel decidiu que investiria em outros projetos. Porém, uma experiência pessoal trágica desencadeou a criação de I May Destroy You.

Durante a produção da segunda temporada de Chewing Gum, Coel viveu experiência similar a de sua personagem Arabella: foi encontrar um amigo em uma saída a noite e sofreu um apagão após ser drogada. Assim que recobrou a consciência na manhã seguinte, já era mais uma vítima da enorme estatística de estupro que assola o mundo. A terapia e a escrita auxiliaram no processo de "digestão" do trauma, e assim ela criou, roteirizou, dirigiu, produziu e atuou (!) em I May Destroy You.

Apesar de utilizar o que viveu como ponto de partida da história da escritora Arabella, Coel deixou claro em diversas entrevistas que o projeto é autobiográfico em poucas partes. A proposta não era contar seu relato com exatidão, e sim utilizá-lo como base para liberdades ficcionais que vão compor a jornada de sua personagem. Vale ressaltar que a artista recusou um contrato milionário com a Netflix, tudo porque a gigante do streaming não queria garantir a porcentagem de direitos autorais que ela exigiu por ser a "cabeça" da série - algo justíssimo, aliás. Sem entrar em acordo, o projeto seguiu adiante com a dupla BBC/HBO, que deram total liberdade para Coel - além de garantir sua porcentagem, claro.

Foto: HBO

 REPRESENTATIVIDADE 

Sabemos o quão problemática é a indústria audiovisual quando se trata de representatividade. Em I May Destroy You, além de Arabella, a personagem tem dois grandes amigos que também são negros e são parte da comunidade de africanos no cenário londrino: Terry (Weruche Opia) e Kwame (Paapa Essiedu) auxiliam na formação da tríade protagonista da série. A mulher negra e africana também é exaltada a todo o momento na independência de Arabella e na busca do sonho de ser atriz em Terry, assim como evidencia alguns estereótipos da violência e sexualização sofrida por esse grupo. Kwame desempenha um papel fundamental em retratar o homem gay, negro e de origem africana em Londres, e seu personagem abre o arco para também apresentar as relações homo afetivas e outros questionamentos de orientação sexual da produção.

Há poucos personagens brancos na obra, e a forma como Coel os encaixa na trama não deixa de ser uma crítica importante ao contexto da história que está sendo contada. É raro termos a oportunidade de acompanhar uma produção com uma criadora que preenche tantas lacunas de representatividade em sua história, o que torna os 12 episódios de I May Destroy You uma experiência incrível e que merece atenção a esses detalhes de composição de personagens e do cenário que habitam.

 PAUTAS ATUAIS E PERTINENTES 

Dá pra escrever um longo texto sobre este tópico apresentado em I May Destroy You. A série apresenta uma gama de temas que vão da discussão necessária até diversas pautas atuais, e torna-se um trabalho difícil descrever o quanto o roteiro de Michaela Coel é sábio na abrangência de questões tão complexas.

Não dá pra fugir da abordagem sexual apresentada em seu texto. O estupro, o consentimento (e a falta do mesmo no sexo) e os traumas causados por ações agressivas deste gênero são representados nas vidas de Arabella, Terry e Kwame. Não entrarei em detalhes sobre a forma como essas agressões sexuais ocorrem na vida do trio, pois é extremamente válido sentir o choque inicial resultante das ações dos personagens que causam essas situações. Com exceção do estupro no primeiro episódio, cometido sob total entorpecimento da personagem e que é extremamente angustiante, mesmo que só seja apresentado por meio de flashbacks deslocados, as outras abordagens de violência sexual ocorrem em contextos corriqueiros e são exibidas sem cortes, causando o desconforto necessário para gerar inúmeros debates sobre consentimento, desrespeito e até o que muitas vezes não entendemos que SIM, é também uma violação ao nosso corpo.

A tecnologia também é um tema presente na construção do cotidiano dos personagens, e Coel traz uma abordagem atual e cheia de questionamentos. Arabella só se torna escritora após viralizar na internet com publicações no Twitter sobre a geração millenial e, em determinado momento, acompanhamos como o uso exagerado das redes sociais sobrecarrega seu psicológico. A cultura do cancelamento também se faz presente, além do uso da própria imagem ao lidar com o público. Os aplicativos de relacionamento também são apresentados em contextos interessantes, como na vida de um casal hetero e nas relações de Kwame.

Destaco especialmente o Episódio 6, "The Alliance", o mais desafiador por tratar de diversos temas complexos, ao mesmo tempo que possui nuances absurdas que colocarão o espectador em uma posição incômoda em busca do que seria "certo ou errado" - se é que isso é possível.

Foto: HBO

 ROTEIRO 

E claro que todas as abordagens só poderiam reverberar tão positivamente junto a críticas e avaliações tendo uma base de alta qualidade, que é o roteiro de Coel. I May Destroy You nos castiga ao transitar tão facilmente entre o humor ácido e criativo para, em seguida, afundar nosso psicológico em situações extremamente desconfortáveis. A jornada de Arabella é quase um poema em movimento, tamanha a leveza da personagem mesmo em momentos em que picos de surto seriam totalmente compreensíveis.

É duro assistir a quebra do encantamento da protagonista com o mundo. Aos poucos, a mulher se torna mais dura, e as consequências dos abusos forçam a personagem a adotar uma postura de confronto que será importante nessa jornada confusa e traumática de violências inesperadas que tiram sua vida do eixo. Há diversas cenas em que o silêncio ou o olhar dos personagens são suficientes para que o espectador compreenda os diálogos invisíveis que se formam, especialmente na profunda relação entre Arabella, Kwame e Terry. Mas há também os diálogos expositivos que divertem, arrancam lágrimas e ecoam em nossas mentes como um aviso. É bom estar preparado para a montanha-russa sentimental de I May Destroy You.

Há dois episódios, em especial, que eu senti vontade de levantar da cadeira e bater palmas infinitas para Coel: o Episódio 9, "Social Media Is a Great Way to Connect"; e o Episódio 12, "Ego Death".

 AS MENSAGENS QUE FICAM 

Foi impossível terminar I May Destroy You e assimilar de imediato tanta informação. É o tipo de obra que uma nova visita será sempre bem-vinda, pois há muito o que se processar a cada episódio, dos detalhes que fazem a diferença até os tópicos de discussão mais evidentes. Você será impactado com uma série que tem uma temática universal e importante para a formação de qualquer ser humano.

Se ainda precisamos debater assuntos como violência sexual, consentimento, racismo, ausência de representatividade e tantos outros como forma de alerta, é porque todos temos uma longa jornada de revisão de conceitos pela frente. E Arabella, Kwame e Terry também enfrentam jornadas individuais de identidade e superação (cada um a seu modo) por não acharmos soluções para todos estes problemas em nossa sociedade até hoje.

As mensagens que ficam para quem termina a produção são acompanhadas de desconfortáveis doses realistas que exploram o comportamento (des)humano individual como um todo dentro de diversos contextos. Porém, sob o olhar de Michaela Coel e seus personagens flertando sutilmente com o otimismo, estes mesmos problemas podem nos tornar mais fortes para enfrentá-los quando necessário, seja como vítimas ou pessoas que podem atuar no combate desses abusos.

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