CRÍTICA | O Peso do Talento

Direção: Tom Gormican
Roteiro: Tom Gormican e Kevin Etten
Elenco: Nicolas Cage, Pedro Pascal, Neil Patrick Harris, Alessandra Mastronardi, Tiffany Haddish, entre outros
Origem: EUA
Ano: 2022

Quando pessoas replicam pelos blocos de comentários na internet que "Nicolas Cage é um tesouro nacional", não é apenas uma referência bem humorada ao seu papel como protagonista do filme A Lenda do Tesouro Perdido (National Treasure), mas uma reverência ao status quase mitológico que o ator angariou involuntariamente para si. Em parte pelas histórias fascinantes e improváveis de seu hábito perdulário, em parte pela consequência de seus gastos supostamente o levar a um dos currículos mais extensos e heterogêneos de Hollywood. A vida pública imprevisível de Cage disputa com a intensidade pela qual é conhecido dedicar mesmo aos papéis mais simples e nos longas mais controversos. É uma distinção tão objetiva que se pode fazer de seu método que o próprio já o batizou como "Método Xamânico Nouveau".

Para um artista tão conhecido por estrelar tantas obras e tantos tipos de personagem, sua tarefa mais árdua até esta data não poderia ser diferente: Nicolas Cage assumindo o doloroso peso de um imenso talento ao atuar como... Nicolas Cage. Numa versão sutilmente fictícia, onde se adiciona um breve conflito familiar, Nick Cage encontra dificuldades entre os papéis que assumia em sua vida, estando disperso como ator e falhando enquanto pai presente. Com as dívidas acumuladas, não lhe resta opção além de aceitar a proposta feita por seu agente Richard (Neil Patrick Harris) de aceitar, pela bagatela de um milhão, ser o convidado especial do suspeito bon vivant espanhol Javi Gutierrez (Pedro Pascal).

Paris Filmes

Enquanto o ricaço está se tremendo de nervoso para iniciar a conversa sobre um roteiro que escreveu pensando em Cage como protagonista, a CIA está no país em seu encalço, acreditando que a filha do atual candidato à presidência está sendo feita de refém na mansão de Javi. E cabe a Nick Cage corresponder ao grito de "ação!" como um espião preparado para investigar o novo amigo. Talvez você comece O Peso do Talento (The Unbearable Weight of Massive Talent) incrédulo de que "Nicolas Cage (Olhos de Serpente) e Pedro Pascal (Mulher-Maravilha 1984) vivendo um tórrido bromance regado à drogas e pura paixão por cinema" fosse uma premissa tão convidativa, mas rapidamente o longa entorta suas crenças e te faz pensar que isso pode acabar sendo uma delícia.

O que, a princípio, é evocado como uma história sobre um homem autocentrado buscando reconexão com a família se torna uma "buddy comedy", para em seguida se converter num suspense de espionagem. O filme de Tom Gormican (Namoro ou Liberdade) vai se transformando em algo novo na medida que o roteiro que Nick e Javi elaboram vai tomando nova forma ou recebendo mais sugestões. O texto se torna, de repente, uma cena de paranoia ou uma sequência de ação, tanto porque no contexto da história isso se faz necessário, quanto pela urgência do próprio filme que estamos vendo de se transformar. Nada permanece no seu próprio estado de segurança por muito tempo, muito menos Nick Cage, que imediatamente recebe os sinais de uma cena sendo disposta em quadro e assume um novo sotaque, uma nova expressão facial, próteses no rosto, um par de sapatos novos.

O elemento de ação aqui é pouco inovador ou interessante, mas o que brilha mesmo no percurso de O Peso do Talento é o equilíbrio delicado entre o que ele não está levando a sério e quais as coisas pelas quais vale ser passional. Ainda que tudo seja uma grande brincadeira deformada, não só sobre a construção de uma narrativa em si, mas com relação à próprio figura do Nicolas Cage - e o filme é repleto de piscadelas descaradas para os fãs mais ou menos devotos -, a obra jamais adere ao recurso da metalinguagem como um puro ato cínico e autoindulgente de romper a suspensão de descrença para se esquivar de qualquer compromisso sério com o espectador. Texto e contexto trabalham em conjunto no resultado cada vez mais bobo e empolgado de participar de um dos rituais mais antigos da humanidade.

Paris Filmes

Há um carinho em O Peso do Talento pelo cinema, pela ação inteira de produzir um longa-metragem, por artistas tão devotos quanto Nick Cage. Não é uma trama espetacular que decora todos esses sentimentos, mas um trabalho em processo, como é natural da obra de arte: a convulsão de seu parto, a tortura que foi para conceber, a incerteza de seu futuro no instante seguinte que entra em contato com o mundo externo. Só Nicolas Cage estaria à altura de um papel como Nicolas Cage.

Bom


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